Outros retrocessos nunca imaginados
*Maria Dalce Ricas
A história é um vaivém difícil de entender. O PT ganhou espaço no país alardeando, entre outras bandeiras, a democracia, o direito do "povo" de participar dos caminhos trilhados no país. Lenga-lenga, aliás, comum a outros partidos, até que consigam o poder. No entanto, o retrocesso da legislação ambiental que garante esse direito nunca foi tão grande.
Aqui em Minas, ficamos assustados com a aprovação do PL 2.946 que, entre outras coisas, retirou o direito de a sociedade participar do licenciamento de projetos econômicos ou estruturais enquadrados nas classes 3 e 4 e a participação do Ministério Público na concessão de licenças. Com uma "canetada", Fernando Pimentel livra o poder público e a iniciativa privada de dois incômodos.
No âmbito federal, o Código Florestal, aprovado em 2012, foi outra demonstração. E agora o país pode assistir a outro retrocesso nunca antes imaginado. O Projeto de Lei 654/15, de autoria do senador Romero Jucá, apresentado ao Senado em novembro de 2015 quando ele ainda era líder do governo no Senado, e que já está pronto para ser votado em plenário, prevê que o licenciamento ambiental de grandes obras dos setores de transporte, energia e telecomunicações não mais serão sujeitos a audiências públicas. Determina prazo máximo de nove meses para concessão da licença. Elimina as três etapas do processo hoje vigentes (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação). E retira dos órgãos ambientais a competência para paralisar empreendimento em caso de descumprimento de condicionantes. E, pasmem, o governo decidirá por decreto o que é "estratégico".
A justificativa é a de sempre – "são projetos fundamentais ao desenvolvimento do país". Mas nem o senador e nem a presidência da República explicam o que tem a ver o desenvolvimento do país com degradação ambiental e exclusão da sociedade da gestão dos recursos naturais. Os interesses econômicos e políticos, verdadeira motivação do PL, ficam claros pelo fato de que inicialmente ele incluía a mineração como "estratégica". A ruptura da barragem da Samarco, em novembro do ano passado, fez o senador e o governo recuarem, provavelmente devido à repercussão nacional e internacional do desastre. Mas, se for aprovado, a porta fica aberta para qualquer coisa.
Limitar o licenciamento de atividades altamente impactantes sobre o meio ambiente natural e comunidades compromete, a priori, a possibilidade de estudos socioambientais bem-feitos que possam subsidiar a análise de viabilidade dos empreendimentos. Segundo o PL, o empreendedor poderá inclusive usar estudos antigos para comprovar outros que contemplem as quatro estações do ano. Retirar dos órgãos ambientais a competência para embargar empreendimentos que não cumprirem condicionantes é torná-los decorativos e dar "cheque em branco" para empresas públicas e privadas.
A exclusão das LP e LI previstas no PL transformará o licenciamento ambiental em um mero protocolo. A LP é fundamental para analisar a viabilidade ambiental de um projeto. Sua supressão instalará, na prática, o princípio de que qualquer empreendimento que o governo julgar estratégico, independentemente dos impactos sociais, econômicos e ambientais, será autorizado. Excluir audiências públicas era algo inimaginável. Além de ferir frontalmente a Constituição, traz de volta um dos princípios mais sagrados das ditaduras, largamente praticado pelos militares no Brasil: a sociedade não pode ter direito de questionar o que o governo decide.
Se o PL for aprovado, comunidades atingidas por barragens, como no caso de Irapé, construída pela Cemig no Rio Jequitinhonha, que desalojou dezenas de famílias, não teriam legalmente direito de discutir o assunto. Esta prática foi comum na ditadura militar, que implantou muitas vezes desastrados megaprojetos, entre eles, a represa de Itaipu, que "matou" as Sete Quedas do Iguaçu, a Rodovia Transamazônica, as usinas nucleares e o Projeto Jaíba. Em relação a este último, liminar da justiça conseguida pela Amda em 1988 obrigou a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco a solicitar licença ao Conselho de Política Ambiental (Copam).
Romero Jucá poderia incluir em sua justificativa que a participação da sociedade é subversão, coisa "de comunista", como diziam os militares. Assim, seria mais sincero em demonstrar sua aversão e a do governo à democracia.
* Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.
Fonte: Revista Ecológico