Da Amazônia ao Chaco
* Marcelo Leite
Quando se fala em desmatamento, a América do Sul é a primeira a ser mencionada. Como a mata atlântica já foi para o saco, a Amazônia ocupa o foco das atenções. Mas está na hora de voltar os olhos para o Chaco.
Brasileiros não fazem muita ideia do que seja o Chaco. Com cerca de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, é uma das principais regiões ecológicas do continente. Em tamanho, fica entre a mata atlântica (1,1 milhão de km²) e o cerrado (2 milhões de km²).
Curiosidade: o nome deriva da palavra quíchua para território de caça ("chaku"). A região conta com fauna abundante de macacos, antas e onças – além de uma enorme diversidade de tatus.
Argentina, Paraguai e Bolívia dividem esse domínio localizado entre o Pantanal, a leste, e os Andes, a oeste. É um mosaico de ecossistemas, com áreas de savana similares ao cerrado e também florestas, hoje muito ameaçadas. Somando a parte argentina e a parte paraguaia, pode estar perdendo até 3.000 km² todos os anos.
A tendência de queda no desmatamento da Amazônia e de aumento no Chaco aparece de forma clara em um levantamento de longo prazo sobre a destruição de florestas na América do Sul.
O trabalho coordenado por Yi Liu, do Centro de Excelência ARC para Ciência do Sistema Climático de Sydney (Austrália), acaba de ser publicado (bit.ly/1nLu9D6).
Pioneiro, o estudo cobre o período de 1990 a 2010. Difere de outros sistemas de monitoramento, como o Prodes brasileiro (1988-2015), por abranger todo o subcontinente. Na comparação com o levantamento Global Forest Change (GFC), a diferença é temporal: o GFC tem dados só a partir de 2001.
A equipe de Liu também se distancia do Prodes e do GFC no método escolhido para fazer o sensoriamento remoto das matas. Enquanto estes empregam imagens de satélite nas bandas de frequência que literalmente permitem "enxergar" o dossel da floresta, Liu e colaboradores da Holanda apelaram para as micro-ondas.
Detalhes técnicos à parte, interessa saber que sensores de micro-ondas possibilitam avaliar a quantidade de biomassa de grandes áreas florestadas com base na quantidade de água contida nela.
Com isso, o grupo consegue quantificar mudanças na massa de madeira e folhas causadas por degradação ou regeneração de matas, e não só a presença ou ausência de cobertura florestal.
Os resultados obtidos divergem um tanto do Prodes e do GFC, sobretudo em alguns anos. Quando há El Niño, ocorre seca pronunciada na porção norte da Amazônia, e muita biomassa desaparece em incêndios como os que ora assolam Roraima, repetindo o desastre de 1998.
O trio de levantamentos apresenta, no entanto, grande coerência nas tendências de longo prazo. Australianos e holandeses confirmaram, por exemplo, as características mais salientes do padrão sul-americano: devastação concentrada no chamado Arco de Desmatamento (sul a leste da Amazônia brasileira) e queda acentuada das taxas anuais no Brasil a partir de 2005.
A macrotendência que emerge do trabalho de Liu é que grande parte dos ganhos obtidos na Amazônia brasileira foram anulados pela devastação do Chaco. E o vetor de desmatamento por lá, como no cerrado brasileiro, é a soja.
*Marcelo Leite é repórter especial da Folha, autor dos livros ’Folha Explica Darwin’ (Publifolha) e ’Ciência – Use com Cuidado’ (Unicamp)
Fonte: Folha de SP