Opinião

A COP21 e o pesadelo geracional

*Lucio Carvalho

Há dias que eu tinha em mente um spot que o Greenpeace produziu há alguns anos atrás, sobre as mudanças climáticas e que, ao som de Frank Sinatra cantando My Way, mostrava cenas de inundações, derretimento das calotas polares e outros efeitos visíveis do aquecimento global. Ao fim do spot uma pergunta sobrepunha-se às imagens: "Lembra como sua geração sonhava em mudar o mundo?" e, pouco antes do fim, a resposta: "Parabéns, vocês conseguiram."

O clipe, no YouTube, pode ser visto aqui.

Hoje, percebi que a lembrança me vinha em mente, entre outras razões, em função do começo da COP 21. E também porque, a despeito do tamanho exíguo, a mensagem do spot é mesmo impactante. Mas, antes de lembrar, estive como imerso numa espécie de pesadelo. Um pesadelo geracional.

O filme, mais claro impossível, depõe contra um sonho geracional deposto, talvez extinto já, de uma fatia da população que, chegando hoje aos 60 ou 70 anos, embalou-se no sonho hippie e contracultural de mudar o mundo e, passado esse tempo todo, eis que nada de se perceber as mudanças decorrentes de um novo modo de vida. Este projeto utópico dos anos 60, se um dia pensou-se revolucionário, acabou por revelar-se mera continuidade do modo de vida precedente de um modo geral no ocidente, nada além disso.

E então, pensando não nos termos de uma análise histórica, mas do mundo ao meu redor, é fácil perceber que o movimento geracional é contínuo e se a geração que viveu a Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos terríveis começa a deixar de existir e dar lugar às pessoas influenciadas pelo sonho de mudança dos anos 60, o legado destes sequer pode ser considerado melhor que o daqueles. Para comprovar isto, basta ver onde estão hoje, no Brasil mesmo, lideranças políticas que viveram no bojo daquele movimento, porque pensar em seu projeto de renovação social seria o mesmo que buscar uma agulha num palheiro, ou pior que isso, nos lamaçais da realidade, sem falar nos simbólicos.

E o pesadelo se torna mais assustador ao concluir-se que mesmo essas pessoas já começam a deixar o poder para outra geração e esta é composta por pessoas que nunca experimentaram os rigores de graves crises econômicas ou o pesadelo político de um regime opressivo, ou ainda a tarefa de reconstruir um mundo minado pela guerra. Seria possível imaginar que essa geração poderá efetivamente resgatar o saldo das anteriores? Mas, pensando-se em perspectiva, será que foram preparadas para isso? É muito difícil saber. O indubitável é que talvez não lhes reste alternativa e, caso tenham habilidade para engendrar relações mais harmônicas com o ambiente e com a sociedade, poderão realizar o que os que apenas sonharam deixaram de fazer ou postergaram. Talvez o façam justamente por ter de fazer, e não por sonhar. Seria uma solução pragmática, embora não se possa garantir que venha a funcionar. Talvez, mais que uma solução, seja uma esperança.

De outra sorte, ao pensar nisso fica claro que convivemos concomitantemente, de certo modo, com todas estas gerações. Confesso que tenho receio de que uma geração que usa mais tempo no Instagram que em bibliotecas e que encontra num clique qualquer informação mas sem ninguém saber ao certo se em condições de interpretá-la, dará conta ou até mesmo se é justo concentrar em seus ombros tal responsabilidade. Talvez, fazê-lo seria apenas adiar as soluções urgentes que o planeta demanda. Todavia, culpá-los por antecedência, porque o poder político ainda não encontra-se em suas mãos, é de uma vileza sem tamanho. A mim parece que, por depormos a falência de uma geração que se mostrou incapaz de engendrar um mundo melhor, não podemos por isso mesmo negligenciar de nossas responsabilidades. Este seria um comportamento a Pôncio Pilatos. E, convenhamos, é o que de menos precisamos.

Usar da consciência e partir racionalmente para soluções que envolvem o meio ambiente é fundamental, mas isso não deve partir de todos? Em caso contrário, como partiria justamente de quem ainda não tem meios de fazer as coisas e teve seu direito a sonhar um mundo diferente e que foi interditado precocemente pelo fracasso dos outros? Essa por óbvio que não é uma questão a ser debatida na COP 21 que começa agora, mas é a questão das questões para o nosso dia a dia e para o futuro dos que virão, do qual todos bem que poderíamos estar mais ocupados em colaborar ao invés de meramente despejar o fracasso anterior. Ou iremos, ao invés de dar continuidade ao sonho, propiciar condições para dar continuidade ao próprio fracasso?

Então, estou esperando pela continuidade do spot do Greenpeace, um que talvez fale sobre pessoas inocentes que podem tomar outros caminhos, mas desde que ninguém os vete antecipadamente.

*Lucio Carvalho é autor de Inclusão em Pauta (Ed. do Autor/KDP), A Aposta (Ed. Movimento) e do blog Em Meia Palavra

Fonte: EcoDebate