Opinião

O que é isso, companheiro?

*Maria Dalce Ricas

Fernando Pimentel e eu militamos na luta contra a ditadura militar. Fomos presos, passamos pelas agruras da prisão e fomos "colegas" de cadeia na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora (MG). Descrente de partidos políticos, assumi a bandeira ambiental, tornando-me uma das fundadoras da Amda em 1978. Um ano antes, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) foi criado como primeiro colegiado do país a admitir representação da sociedade civil, com direito a voto. Hoje pode parecer banal. Mas, à época, foi um bravo atrevimento político.

Como militantes contra a ditadura militar, nossa maior bandeira era a liberdade, o direito de a sociedade participar da definição dos destinos do país. Mas, quem diria? Após mais de três décadas, meu antigo companheiro de luta revolucionária e de cadeia, hoje governador do Estado, tomou a iniciativa de enviar à ALMG o PL 2.946, com propostas frontalmente contrárias às bandeiras que nos levaram à prisão, pois elas enfraquecem o Copam e consequentemente a participação da sociedade. Concentram ainda mais o poder nas mãos do Executivo e abrem brecha "legal" para prevalência do poder econômico sobre a proteção do meio ambiente.

Dois artigos deixam isso claro: criação da Superintendência de Projetos Prioritários na Semad, que poderá retirar quaisquer processos em licenciamento quando se esgotarem os prazos máximos para tramitação previstos no PL, e concluir o licenciamento sem anuência do Copam. A mesma competência seria dada ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, composto majoritariamente por secretarias de Estado e entidades que representam o setor privado, que poderá "identificar processos em curso, em qualquer instância e fase de licenciamento ambiental, considerados prioritários, relevantes ao desenvolvimento social, econômico e de proteção ao meio ambiente, para que a superintendência mencionada os conclua".

Resumindo: se o processo de licenciamento não estiver tramitando de acordo com os desejos e expectativas da Seplag, Sede, Fiemg e Faemg, basta que levem o assunto a este órgão que a licença sai da competência do Copam.

No plenário do Conselho, o secretário Sávio Souza Cruz alegou que, ao contrário dos governos do PSDB, o atual não usa lei delegada para conseguir seus objetivos, pois enviou o PL à ALMG onde será "democraticamente" discutido com a sociedade. Mas o PL remete a decretos, diversos aspectos que deveriam estar claros na Lei. E aí cabe a pergunta: na prática, qual é a diferença então da lei delegada?

Há mais uma "coincidência": Sávio Souza Cruz afirmou que a proposta seria primeiramente apreciada pelo Copam. Em 2012, o então secretário Adriano Magalhães fez o mesmo em relação à proposta de Lei Florestal. E da mesma forma enviou-a diretamente à ALMG.

Nenhuma lei é eterna ou imutável. Não há como negar deficiências do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) – leia-se Semad, Igam, IEF e Igam – que podem de alguma forma estar atreladas a aspectos normativos. Mas uma coisa é certa: o problema básico está no sucateamento orçamentário, técnico e humano da Semad e se isto não for resolvido, o máximo que o governo conseguirá com este PL é aprimorar a legalidade da degradação ambiental no Estado.

*Maria Dalce Ricas é superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).

Fonte: Revista Ecológico