Corte no Orçamento e impacto na ciência
*Thomas Lovejoy
Fundamental para que o Brasil cumpra metas ambientais, a Fundação Zoobotânica do RS pode ser extinta em razão de corte orçamentário no Estado. Veja artigo de Thomas Lovejoy publicado no jornal Folha de S. Paulo
Sempre que me deparo com necessidade de reduzir orçamentos, lembro como o "New York Times" abordou a questão durante a Segunda Guerra Mundial.
Naquele caso, havia oferta racionada de papel de imprensa. O jornal tinha que decidir entre espaço para publicidade (e o faturamento que isso traria) e para notícias. O "Times"optou pelas notícias, preparando o terreno para se tornar sua mais importante fonte hoje.
Há duas lições a extrair do episódio. A primeira é que cortes generalizados são uma atitude impensada e uma demonstração de falta de liderança. A segunda é que decisões tomadas em momentos de contração do Orçamento são muitas vezes mais importantes do que as tomadas durante a expansão.
Assim, o que vier a ser decidido em Brasília ou pelos governos estaduais nessa hora de austeridade é particularmente importante -e, é claro, difícil, porque haverá incômodo ao eleitorado, não importa quais sejam as escolhas feitas.
Programas científicos são vulneráveis em situações como esta. O eleitorado que os defende é pequeno, é fácil descartá-los impensadamente como elitistas e os benefícios que eles produzem em geral só vêm em longo prazo e de forma difusa.
Um exemplo foi a monitoração de dióxido de carbono na atmosfera do topo de um vulcão no Havaí, projeto iniciado por Charles David Keeling, no ano de 1958. Tido como insensato, era fácil questionar o propósito de manter o trabalho de registro ano após ano. Houve diversos momentos em que o projeto quase foi cancelado.
Hoje em dia, a "curva de Keeling" consta de todos os manuais científicos, porque acompanha o pulso causal da mudança do clima.
Ocasionalmente, governos reconhecem a importância de programas como esses e os planejam de forma a perdurarem, a despeito das vicissitudes financeiras.
É o caso da Fapesp, a agência científica do Estado de São Paulo, que tem uma porcentagem da arrecadação estadual garantida a cada ano. Aqueles de nós que dependem da Fundação Nacional de Ciência dos EUA só podem contemplar seu exemplo com admiração e inveja.
A Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul não conta com essa proteção e está a ponto de ser desativada, como parte das medidas de corte orçamentário aprovadas pela Assembleia Legislativa do Estado.
As laboriosas pesquisas e coleções de ciências naturais, formadas ao longo de 50 anos, embora descartáveis para os imprudentes ou ignorantes, são críticas para a compreensão e administração dos recursos naturais do Estado.
As coleções ofereceram base para normas de zoneamento, avaliações ambientais e diretrizes de práticas agrícolas sustentáveis.
A fundação é fundamental para que o Brasil cumpra compromissos firmados na Convenção sobre a Diversidade Biológica -um dos triunfos da conferência Rio-92- e nas Metas de Desenvolvimento Sustentável definidas em setembro pela Assembleia Geral da ONU.
Os acordos são nacionais e internacionais, mas têm igual importância em nível estadual: sem o conhecimento que emana de instituições como a Fundação Zoobotânica, o desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Sul pode se tornar uma caminhada aleatória e sem rumo.
A grandeza de cada local pode ser medida por suas instituições, universidades e museus. Para o Rio Grande do Sul, a Fundação Zoobotânica é um marco significativo e próspero. Ao garantir um futuro para ela, o Estado pode apontar o caminho para uma redução de Orçamento sábia, neste momento de consideráveis desafios econômicos para o Brasil.
*Thomas Lovejoy é professor de ciência e política ambiental na Universidade George Mason (EUA), trabalha na Amazônia desde 1965
Fonte: Folha de S. Paulo