A caixa d’água (vazia) do Brasil?
*Maria Dalce Ricas
A falta de água em diversos municípios do país está sendo tratada como problema decorrente de perda na distribuição e desperdício no consumo. Sem dúvida, isso é verdadeiro: estima-se que a perda seja de mais de 40%! Mas reflete apenas parte da questão.
O restante da verdade é bem mais incômodo. Nós, seres humanos, somos consumidores de água e não produtores. Quem a produz é a natureza. Sem cobertura vegetal, não há água. A perda pode ser resolvida consertando as redes. O consumo pode diminuir por educação ou por taxação. Mas a produção de água é e sempre será dependente da proteção do meio ambiente.
Dezenas de nascentes estão secando a cada ano. Nem todas elas estavam degradadas (entretanto, a maior parte, sim), pisoteadas por gado ou ocupadas por culturas agrícolas, tanto quanto as áreas de recarga. Estas são tão importantes quanto as nascentes. Nelas, é que se infiltra a água da chuva que abastece os lençóis subterrâneos que alimentam as nascentes. Grande parte das encostas e topos de morro são áreas de recarga e deveriam estar protegidas com cobertura vegetal.
A política agrícola do país, talvez a maior responsável pela degradação do solo e da água, tanto por parte do poder público, quanto pelo setor agropecuário, está, com algumas exceções, atrasada em séculos, parada na época da chamada "colonização", quando a terra brasileira visível pelo mar era coberta pela maravilhosa Mata Atlântica. E, a partir daí, derrubá-la e saquear a terra era o objetivo de todos.
Essa incompreensível incapacidade de entender a ligação entre o bom uso do solo e a proteção da água continua sendo verdadeira. Ao contrário do que dizem os ruralistas, os produtores rurais (sempre lembrando das exceções), conscientes ou não do que fazem, continuam praticando a conhecida agropecuária do "solo arrasado". E as políticas públicas que deveriam ter como prioridade "para ontem" mudar essa situação são frágeis e insuficientes, alimentando a crença de que a administração pública no Brasil está realmente falida.
O resultado não poderia ser diferente do que agora enfrentamos. Mudanças profundas no ciclo das águas são consequências previstas e anunciadas pelos cientistas. Mas, se cuidássemos de nossas nascentes, córregos, ribeirões e rios, seus efeitos poderiam ser bem menores. Do jeito que está, Minas Gerais continuará sendo a caixa d’água do país. Só que vazia.
* Maria Dalce Ricas é Superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda).
Fonte: Revista Ecológico