Opinião

Das crises nascem as soluções

Maria Dalce Ricas*

Na última coluna, comentei sobre o Projeto de Lei nº 3.614/2012 desarquivado pelo deputado Lafayette de Andrada (PSDB), que permite a mineração de cascalho e areia em leito de rios considerados de preservação permanente, como o Cipó e o Peruaçu. Volto então ao assunto para esclarecer a situação hoje. O PL estava pautado para apreciação da Comissão de Constituição e Justiça em 09 de junho. E lá fomos nós, os militantes da Amda, com cartazes contrários. Seja por isso seja por algo que desconhecíamos, os deputados resolveram retirá-lo da pauta e, após a reunião, fomos procurados pelo autor do PL e pelo deputado Luiz Henrique, também do PSDB.

Confesso que ficamos até surpresos – e não somente pelo gesto -, mas pela educação com que fomos tratados. Nossos cartazes também, é claro, nada tinham de ofensivos. Apenas informavam, por exemplo, que não há tecnologia no planeta que minimize impactos ambientais em leito de rio e que constitucionalmente a legislação ambiental não pode retroceder. O PL autoriza a mineração no Rio Grande e em seus tributários, no trecho entre as nascentes e a barragem de Camargos, próxima a São João del-Rei, e no agonizante Rio Jequitinhonha. O deputado Lafayette nos disse que "não tem qualquer interesse em ser responsável por degradação ambiental e que a proposta deve-se a reclamações de comunidades e prefeitos da região do Rio Grande", segundo os quais, o impedimento de extração de areia faz com que o produto seja importado de outras regiões e até de São Paulo. O deputado Luiz Henrique disse algo parecido, lembrando que extração de areia é tradicional no Jequitinhonha.

Alinhamos, então, e isso aconteceu recentemente, que seriam retirados do PL os Rios São Francisco, Pandeiros, Peruaçu e Cipó. E, quando chegar à Comissão de Meio Ambiente, os dois pontos acima serão discutidos. Como ele não se baseia em argumentos técnicos, pressuposto que entendemos ser obrigatório para a apresentação de qualquer projeto de lei, sugerimos que a Assembleia Legislativa de Minas solicite parecer técnico aos órgãos ambientais. Fica difícil desconsiderar os argumentos apresentados sem isto. Mas, a princípio, não vemos justificativa para liberar a mineração em todos os tributários do Rio Grande, já arrasado pelas barragens sequenciais nele construídas, por esgotos e carreamento de sedimentos que entopem seu leito.

Recentemente estive em Mendanha, pequena cidade situada nas margens do Jequitinhonha, próxima a Diamantina. Lá, ele se transformou em um grande banco de areia, com profundidade de 40 cm, resultado de séculos de garimpo. A permissão para retomar a atividade, penso, deveria ser alicerçada em um projeto de recuperação (que se levado a sério poderia gerar resultados daqui a uns 30 anos), replantando a vegetação ciliar, paralisando ou adequando atividades responsáveis por esse impacto. Sem isso, poderá aprofundar o leito em alguns locais em pouco tempo, perpetuando a degradação.

EM DEFESA DOS PARQUES

Durante a conversa, outros assuntos foram surgindo. O primeiro foi o mega-garimpo de diamante em Areinha, no Jequitinhonha, versão mineira de Serra Pelada, iniciado há mais de dois anos. Desde que começaram as denúncias de violência, droga, prostituição e degradação extrema do rio, e isso tem mais de um ano, a Semad discute o assunto com as Polícias Civil, Militar, Federal, Exército, Seplag e não sei mais quem, e nada é feito. Daqui a pouco, vão chamar o Barack Obama para opinar também. E enquanto isso, o direito humano à água, rio abaixo, continua sendo desrespeitado. De qualquer forma, ficou combinado que discutiremos novamente o assunto.

O segundo são as ameaças de invasão dos parques do Rio Preto (estadual) e Sempre-Vivas (nacional), que estão sendo insufladas por um professor da universidade de Diamantina, que apesar da não pouca idade, continua dando uma de "rebelde sem causa". Navegando na onda do "tudo pelo social", ele alega que os dois causaram prejuízos econômicos a comunidades que catavam sempre-vivas e de sobra botavam fogo anualmente nos dois. E conseguiu emplacar uma audiência pública em Diamantina com o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Durval Angêlo (PT) para investigar violação de direitos humanos. É pena que o deputado e os outros que viajaram para lá com recursos públicos não tenham dado uma "chegadinha" ao garimpo para verificar quantos direitos estão sendo violados…

Os dois parques protegem centenas de nascentes, motivo suficiente para justificar sua existência. Mas, além disso, protegem milhares de animais silvestres, cachoeiras, paisagens magníficas, cada vez mais procuradas pelo turismo. Quanto vale isso? E será que a renda gerada pela insustentável coleta de sempre-vivas, trabalho desumano, feita inclusive por crianças, e pela qual os catadores recebem uma ninharia, é maior do que os empregos potenciais que os parques podem gerar? O Sempre-Vivas, administrado pelo ICMBio, é "de papel". Mas o Rio Preto, do estado, é um dos poucos que possui infraestrutura para receber turistas. E a frequência só não é maior, porque o governo de Minas não investe um centavo na melhoria da estrada de acesso. Se não fosse o gerente e sua heroica equipe, a estrada estaria intrafegável. Mesmo assim, é responsável por gerar cerca de 40 empregos diretos e dignos, e mais um tanto de indiretos. É disso que a população precisa e não de passar dias e noites, dormindo debaixo de lapas, para coletar sempre-vivas.

Mas, como diz o ex-ministro de Meio Ambiente José Carlos Carvalho, "das crises costumam nascer soluções". Quem sabe então alguma coisa será feita em relação ao garimpo e os dois parques receberão mais atenção de seus administradores e da ALMG, para cumprir seu papel ambiental, econômico, social e educativo?

*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.