Opinião

Ninguém escapará das mudanças climáticas

*Maria Dalce Ricas

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) acaba de lançar mais um relatório sobre as alterações climáticas e suas atuais ou previsíveis consequências, ratificando mais uma vez a responsabilidade humana sobre elas.

O documento contém previsões sombrias, que deveriam gerar mudanças políticas imediatas. Acidificação dos oceanos e recuo das geleiras fazem parte dos impactos citados. E, entre as muitas más previsões, ondas de calor extremo e ampliação dos incêndios.

As consequências são tantas que, ao interagirem entre si, criam uma roda viva que vai se alargando infinitamente, gerando novos impactos. À medida que as secas aumentam e os recursos naturais escasseiam, aumenta a depredação do ambiente natural em função da sobrevivência imediata. A migração de povos africanos para países europeus em função disso já é notícia constante na mídia e tende, segundo o IPCC, a crescer. A hostilidade com que são recebidos aumentará, apontando para cenários urbanos de ficção científica. Eles já não têm mais nada a perder. E a história já demonstrou que quando a sobrevivência comanda a vida, os seres humanos são capazes de qualquer coisa.

A elevação do nível do mar, consequência unânime do IPCC, causará inundações e a erosão do litoral. E, segundo o relatório, "as projeções mostram que o crescimento da população, desenvolvimento econômico e maior urbanização irão atrair mais pessoas para as zonas costeiras, de modo que o perigo será maior". O risco inverso existe: invasão do mar no litoral brasileiro poderá forçar movimentos migratórios em direção às áreas centrais do país, criando conflitos e problemas socioeconômicos imprevisíveis.

A insegurança alimentar é outro risco, devido aos extremos de seca ou inundações que poderão provocar enormes perdas nas safras ou mesmo inviabilidade agrícola em muitas regiões, resultando em alta de preços que afetará diretamente os mais pobres. E o café mineiro entra nisso, pela possibilidade de diminuição considerável de seu cultivo em Minas e São Paulo, tendo em vista as altas temperaturas e a diminuição da água.

A "guerra" pela água, inclusive, já acontece no Brasil. São Paulo quer transpor água do Rio Paraíba do Sul e o estado do Rio de Janeiro não está gostando da ideia. Os rios Pomba e Muriaé, considerados seus principais afluentes, nascem em Minas. Mas como o Estado não tem política de proteção das suas águas e nem de previsão de seu uso, a "guerra", por enquanto, fica entre os vizinhos. Entre as recomendações do IPCC, também consta a necessidade de se paralisar o desmatamento, providência que em Minas e no Brasil não faz parte da agenda, nem em longo prazo.


*Maria Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda

Fonte: revista Ecológico