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Ministério Público de Minas Gerais envia recomendação ao prefeito de Marliéria e ao IEF

Prefeitura insiste em reabrir a estrada do Salão Dourado que corta o Parque do Rio Doce.

Ministério Público de Minas Gerais envia recomendação ao prefeito de Marliéria e ao IEF
Crédito: Prefeitura de Pingo D'água/ Divulgação

O Ministério Público de MG enviou recomendação ao prefeito de Marliéria que se “abstenha de praticar ou incentivar quaisquer atos que visem ou resultem na reabertura da Estrada do Salão Dourado ao tráfego irrestrito e não controlado de veículos, em respeito aos objetivos de proteção do Parque Estadual do Rio Doce e seu respectivo Plano de Manejo”. 

A recomendação deveu-se à proposta do representante do município no Conselho Consultivo do Parque, de abertura da estrada ao tráfego a comunidades locais e escoamento de produtos de agricultura famíliar, usos que não fazem parte do Plano de Manejo do Perd.

A proposta da Prefeitura foi enviada ao MP pela Amda e Fundação Relictos, solicitando ação do mesmo. Para Dalce Ricas, superintendente da Amda, seria impossível fiscalizar a estrada, caso fosse aberta: “São 22 km dentro do parque. Mesmo que o governo disponibilize recursos, o que não acontecerá, como fiscalizar incendiários, lixo, atropelamento, ruído, caçadores, poeira…? Como evitar danos já comprovados à fauna e flora?

O MP recomendou também ao IEF que “[…] proceda à instalação de Portaria/Guarita/Posto de Controle de fiscalização permanente nas proximidades da Ponte Queimada, no escopo de controlar o acesso de pessoas e veículos ao interior Parque, impedido a entrada de pessoas não autorizadas no espaço protegido. E que equipe a referida Guarita ou Posto de Controle com estrutura para monitoramento permanente, seja através da presença de guardas parques e/ou por meio de equipamentos de monitoramento eletrônico (como câmeras de segurança, sensores de passagem e cancelas”.

No documento do MP, é lembrado que oPlano de Manejo do Perd, aprovado em outubro de 2023, destaca que o acesso descontrolado ao interior da unidade constitui uma ameaça e conclui que o uso da ponte e da estrada adjacente deve ser restrito a atividades de gestão, como fiscalização, combate a incêndios, pesquisa e turismo controlado. E “que a presente demanda deve ser analisada, sobretudo, sob o prisma da prevenção e da precaução, posto que estes são princípios norteadores das políticas ambientais, com função primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ao meio ambiente”.

A estrada, desde 1979, após enchente que danificou a Ponte Queimada sobre o rio Doce, ficou praticamente desativada.  A proposta da prefeitura, além de estar em desacordo com o Plano de Manejo da UC, não tem procedência técnica. Não há dados que demonstrem impactos graves sobre populações localizadas na margem direita do rio Doce pelas restrições ao uso da estrada. Ao contrário, a passagem pela LM-759 facilitou transporte de mercadorias, produção agrícola e outras, para o Vale do Aço, maior centro consumidor, pois é mais rápida por ser asfaltada.

Diversas pesquisas, como as de Leandro Moraes Scoss, professor do Instituto Federal de Minas Gerais, Campus Ouro Branco, mostra que “no Perd, a taxa de mortalidade por atropelamento foi de 0,75 animais/mês, o que no mínimo indica que: i) a mastofauna que utiliza a estrada está susceptível à morte por atropelamento, incluindo-se as espécies ameaçadas de extinção (Panthera onca, Puma concolor, Tapirus terrestris e Leopardus wiedii); e ii) o Perd, como outras unidades de conservação no Brasil, está sacrificando parte da sua habilidade de proteger espécies vulneráveis, correndo o risco de perdê-las por atropelamento”.

O MP estabeleceu que no prazo de 20 dias, a Prefeitura e o IEF enviem informações sobre  acolhimento das recomendações e respectivas providências adotadas ou, não sendo este o caso, apresentação de justificativa fundamentada para o seu não atendimento, e que “ a recusa, o retardamento ou a omissão de dados, técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público, constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, nos termos do art. 10 da Lei 7.347/1985”.

A estrada e o Parque

Elisângela Maria Barbosa Santos, em sua tese pela UFMG, publicada em 2015, denominada O Parque e a Estrada: Conservação e Desenvolvimento na História do Parque Estadual do Rio Doce (1944-1993), destaca que “segundo Herculano Mourão, agrimensor responsável pela demarcação do Perd, nos relatórios que redigiu em 1939 e em depoimento posterior, não havia uma estrada no parque, “o que havia era outra trilha acanhada, que partia de Ouro Preto, passava por Antônio Dias e, em seguida, atravessava São Domingos do Prata”.

“Para reforçar a ilegalidade da obra, o agrimensor acrescentou que todo perímetro do futuro parque “foi fechado em novembro de 1939”, sendo assim, esse não seria mais usado desde então. Esse depoimento acabou por deixar explícito que, para abertura da Estrada da Ponte Queimada, uma grande área no interior do Perd foi desmatada”.

E ainda, que cabe ressaltar que, na constituição original do Parque, não havia, dentro de seu perímetro, senão uma trilha – chamada “Estrada do Degredo” – cujo traçado não foi respeitado na construção atual. Esta foi feita pela Acesita, por liberalidade do Dr. Américo René Gianetti, Secretário de Agricultura no Governo Milton Campos, em frontal oposição ao regime jurídico sob o qual vivia o parque, pois o Decreto 23.783/1934, em seu artigo 9.o, não deixa margem a dúvidas quanto à ilegalidade do ato’.

As recomendações foram assinadas pelas promotoras Mariana Cristina Pereira Melo, Coordenadora da Bacia do Rio Doce, e Bruna Bodoni Faccioli, Promotora de Justiça da Comarca de Timóteo.