Fim da boa-fé no comércio de ouro
Decisão do STF mira garimpo ilegal e exige rastreabilidade do ouro para proteger a Amazônia e seus povos.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou a legislação que previa o princípio da boa-fé para justificar a origem do ouro no Brasil. Agora, empresas terão que comprovar que o metal comercializado é legal. Especialistas veem a medida como um avanço no combate ao garimpo ilegal e à proteção de territórios indígenas e unidades de conservação na Amazônia Legal.
Na decisão, o ministro reforçou que o princípio da boa-fé prejudica o controle da atividade garimpeira, inerentemente poluidora. Para ele, a lei não apenas facilitava, mas também incentivava o comércio de ouro obtido por garimpo ilegal.
O princípio da “boa-fé”, previsto na lei federal 12.844, de 2013, presumia a legalidade do ouro com base em declaração do próprio vendedor. A legislação foi suspensa em 2023, quando Gilmar Mendes começou a analisar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), movidas pelo PV, Rede e PSB.
O garimpo Na Amazônia, além de ser responsável por mortes de indígenas, criou passivo ambiental incomensurável: grandes áreas desmatadas, rios poluídos com mercúrio e caça. De acordo com o estudo “Raio X do Ouro, feito pelo Instituto Escolha, mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade entre 2015 e 2020.
“Não é difícil verificar que a simplificação do processo de compra de ouro permitiu a expansão do comércio ilegal e fortaleceu as atividades de garimpo ilegal, o desmatamento, a contaminação de rios, a violência nas regiões de garimpo, chegando a atingir os povos indígenas das áreas afetadas”, destacou Gilmar Mendes.
Para reforçar o controle sobre o setor, o STF determinou que órgãos da União apresentem um novo marco regulatório para a fiscalização do ouro. Um dos objetivos é incluir medidas específicas para impedir a aquisição de metal extraído de terras indígenas e áreas de proteção ambiental.
Boom do garimpo
Entre 2016 e 2022, o garimpo cresceu 361% em terras indígenas na Amazônia, segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Ao analisarem a atuação do garimpo ilegal na Amazônia ao longo de 37 anos, entre 1985 e 2022, os pesquisadores descobriram um boom da atividade durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
De acordo com a análise, a maior parte (78%) da área invadida por garimpeiros em terras indígenas surgiu nesse período. Entre 1985 e 2022, a área garimpada aumentou 16 vezes em reservas indígenas, enquanto cresceu 12 vezes no restante da Amazônia.
Embora o governo federal esteja atuando para expulsar os invasores, a atividade continua sendo uma ameaça à floresta amazônica e seus povos.