Audiência Pública discute projeto de lei que flexibiliza licenciamento ambiental

Audiência Pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados realizada no último dia 10 discutiu as propostas de substitutivo ao Projeto de Lei 3.729/2004, sobre licenciamento ambiental, principalmente a do deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), no âmbito da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. A audiência foi solicitada pelo deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG).
As propostas de substitutivo ao PL, rejeitadas por ONGs, técnicos dos órgãos de meio ambiente e Ministério Público, sugerem, entre outros absurdos, dispensar de licenciamento atividades agropecuárias e de florestas plantadas, inclusive para empreendimentos que prevejam desmatamento. Nesses casos, seria exigida somente autorização de supressão de vegetação, sem estudos ambientais e participação da sociedade.
Suely Araújo, presidente do Ibama, criticou diversos pontos da proposta de Mauro Pereira. Para ela, o relator desconsidera a questão locacional entre os critérios para definição do tipo de procedimento. A proposta restringe os impactos à área diretamente afetada pelo empreendimento ou atividade, ou seja, considera os impactos somente no lugar onde o empreendimento será implantando, independente do que acontecerá em seu entorno imediato. Assim, uma rodovia seria analisada somente pela ótica de sua abertura e pavimentação, desconsiderando impactos sobre a água, solo e biodiversidade na sua área de influência. O mesmo acontecerá com um projeto agropecuário ou mineral.
O texto propõe ainda deixar os Estados livres para legislar sobre licenciamento ambiental, cada um à sua maneira, criando um cenário de competição predatória, em que a flexibilização da legislação ambiental poderá ser a tônica para atrair investimentos. O Estado que mantiver, por exemplo, a exigência de estudos de impacto ambiental poderá ser desfavorecido frente a outro que não o exija, mesmo para empreendimentos com alto potencial de degradação. “Isso é um cheque em branco. Eles ficam sem parâmetro nacional e passam a legislar de forma independente. Isso pode causar uma ‘guerra’ entre os estados”, alertou ela.
Suely destacou também o enfraquecimento dos órgãos gestores de unidades de conservação nos processos de licenciamento que possam afetá-las. Segundo ela, o dispositivo fere a própria Constituição Federal no que diz respeito à sua proteção. “O texto só pede oitiva dos órgãos gestores de UCs nas unidades de proteção integral, ou seja, uma mineração em uma Flona [Floresta Nacional] poderia ser aprovada sem análise do ICMBio”, exemplificou.
Ela criticou ainda a aplicação frágil do instituto da arbitragem, pois o texto possibilita arbitragem de censos para conflitos sobre condicionantes no licenciamento ambiental. “Arbitragem não é um instituto para esse tipo de medida, que envolve direitos coletivos e direitos difusos. Arbitragem é, sim, um instituto muito importante em diversas áreas do direito, mas não nesta situação específica. Para o Ibama, direitos coletivos não podem ser objetos de transações deste tipo”, comentou.
A versão mais recente do texto, de 27 de abril, prevê transferência de responsabilidade por condicionantes, ou seja, o empreendedor simplesmente poderia comunicar ao órgão licenciador que o principal responsável por determinadas condicionantes não seria ele, mas um terceiro. “Não negamos que as condicionantes hoje já podem ser executadas por terceiros, mas o empreendedor é o principal responsável e não pode passar a ser apenas subsidiário. Aquele que causa o dano efetivamente tem que responder juridicamente”, afirmou Suely. “Se já tinha problema de enfraquecimento de condicionantes nas versões anteriores, nesta última, com essa transferência, a coisa ficou bastante complicada e frágil do ponto de vista jurídico”, concluiu.
Sobre a licença por adesão e compromisso (que autoriza a instalação e operação de atividade ou empreendimento mediante simples declaração de adesão e compromisso do empreendedor aos critérios, pré-condições, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora), Suely pontuou que o texto não prevê validação dos dados apresentados pelo empreendedor, nem vistorias. Na proposta apresentada pelo Ministério do Meio Ambiente está prevista a licença por adesão e compromisso, mas com validação dos todos os dados pelo órgão licenciador, “se não ela não seria válida”. O Ibama questiona também a lacuna quanto ao prazo máximo de validade das licenças, que fica em aberto; bem como a inexistência de diretrizes para renovações de licenças.
Segundo ela, desde o penúltimo texto apresentado pelo deputado Mauro Pereira, há colisão com a versão defendida pelo MMA na questão da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental. Foram acrescidos dois artigos nas disposições complementares que, na verdade, têm pouca relação com licenciamento. Eles dispõem sobre a responsabilidade das instituições financeiras e elos da cadeia produtiva. “Nós entendemos que esses dispositivos estão até fora de tema. Eles devem ser tratados na lei da política do meio ambiente, e não na lei do licenciamento. A aprovação disto significa um precedente claro de enfraquecimento da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, que é um dos princípios basilares de toda nossa legislação ambiental”, explicou.
“Mauro Pereira trouxe um texto bastante modificado, com problemas jurídicos e técnicos sérios que inviabilizam qualquer apoio do Ibama ou do MMA. A lei gerada com esse substitutivo vai ser uma lei frágil e que vai gerar judicialização tanto dos processos de licenciamento, quanto da própria lei em si”, concluiu a presidente do Ibama.
Felipe Bogado, Procurador da República do Mistério Público Federal, também enfatizou a questão do alijamento dos órgãos ambientais e a insegurança jurídica que o texto vai trazer aos envolvidos. “O licenciamento é um instrumento para evitar, mitigar e compensar impactos ambientais. Não podemos reduzi-lo a somente um carimbo”, comentou.
Bogado expressou ainda sua preocupação em relação às condicionantes ambientais e citou o exemplo da hidrelétrica de Belo Monte, a obra de infraestrutura mais cara do país. Segundo ele, foram ajuizadas 24 ações civis públicas, quase todas questionando irregularidades no licenciamento ambiental ou cumprimento de condicionantes. O procurador fez um apelo para que o projeto seja retirado de pauta.
Luís Fernando Barreto, Promotor de Justiça e Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), elencou diversos pontos que chamou de “inconstitucionalidades evidentes”. Barreto expôs sua preocupação em relação ao dispositivo que trata do uso e ocupação do solo. “É uma violação direta ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade”, afirmou. Segundo ele, se o PL for aprovado, o MPF adotará estratégia de questionar a inconstitucionalidade da lei, impetrando Adin no Supremo, como fez com o Código Florestal, em função da longa demora no julgamento dos processos. O órgão irá judicializar caso a caso pleiteando arguição incidental de inconstitucionalidade de cada dispositivo legal.
Após exposição dos participantes da mesa foi aberta participação do público que acompanhava a audiência. Mário Mantovani, presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, enfatizou que o maior problema ambiental do Brasil é o fundiário e entregou uma carta da organização expondo suas críticas ao projeto.