Fauna silvestre é ameaçada por atropelamentos

Por ano, 475 milhões de animais silvestres são mortos por atropelamento em rodovias e estradas do Brasil. São 15 por segundo. Em algumas rodovias, há um animal morto a cada 100 quilômetros. As estimativas assustadoras são do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) da Universidade Federal de Lavras. Segundo os pesquisadores, 90% das vítimas são pequenos vertebrados, como sapos, pequenas aves e cobras. Cerca de 9% são animais de médio porte, como gambás, tatus e macacos, e 1% (ou quase 5 milhões) são animais de grande porte, como onças, lobos-guarás, antas, capivaras, gaviões e jacarés.
No Mato Grosso do Sul, levantamento desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) contabilizou pelo menos 128 antas mortas por atropelamento em apenas sete trechos de rodovias do estado nos últimos três anos, o que coloca sob ameaça a sobrevivência do maior mamífero da América do Sul no Cerrado. Nessa mesma área, durante o primeiro ano do levantamento do IPÊ (2013 a 2014), foram encontrados também 1.048 animais mortos de outras 17 espécies de mamíferos, como cachorros-do-mato (271), tatu-pebas (249), tamanduás-bandeira (135) e capivaras (107).
“As pessoas em geral se assustam com esse número e me perguntam como, então, não estamos andando em cima de carcaças de animais. Mas a grande maioria é muito pequena. Passando a 100 km/h em cima deles, o motorista nem percebe. E muito rapidamente as espécies carniceiras, como urubus e carcarás, retiram os restos da pista. E nesses momentos, muitas vezes eles são atropelados também”, declara o ecólogo Alex Bager, coordenador do projeto do CBEE.
Para fazer os cálculos, o Centro conta também com a participação dos cidadãos por meio do Sistema Urubu, que os pesquisadores definem como uma rede social de conservação da biodiversidade. O aplicativo de celular permite que qualquer pessoa colabore com informações sobre a mortalidade de fauna selvagem nas rodovias e ferrovias. Os dados são validados por pesquisadores e servem para orientar concessionárias e órgãos governamentais.
Lei para as rodovias
A principal aposta dos cientistas e de ambientalistas para conter os atropelamentos é o projeto de lei que cria regras para as rodovias. A proposta do deputado Ricardo Izar (PSD-SP), elaborada com os pesquisadores do CBEE e da Rede Pró-Unidades de Conservação, todas as estradas, inclusive as que já existem, têm de adotar medidas que auxiliem a travessia da fauna silvestre, como instalação de sinalização e redutores de velocidade, passagens aéreas ou subterrâneas, passarelas, pontes, cercas e refletores, além de ações de educação ambiental com campanhas de conscientização dos motoristas.
O Projeto de Lei 466/2015 está em regime de urgência na Câmara, mas deve, como todo o resto no Congresso, entrar na fila de votação somente depois de ser apreciado o pedido de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Segundo Ugo Vercillo, diretor do Departamento de Espécies do Ministério do Meio Ambiente, enquanto isso, medidas para tentar reduzir os atropelamentos são feitas nos processos de licenciamento de rodovias, como criação de túneis, passagens ou estradas-parque.
“É o conflito com o desenvolvimento da malha viária, com a construção de condomínios, com as indústrias. Os animais às vezes estão fugindo do fogo na mata e vão parar nas estradas, rodovias. Estamos recebendo cada vez mais animais porque está aumentando a destruição dos habitats. A escassez de alimentos faz os animais se arriscarem mais e nisso eles também correm o risco de atropelamento”, afirma Cristina Harumi, coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar, entidade de Jundiaí que recebe animais silvestres feridos, aprisionados ou que foram vítimas de tráfico animal de todo o país.
Crowdfunding
A Associação Mata Ciliar recebe 10 animais em média por dia. Entre filhotinhos de tamanduá-bandeira e de gato-do-mato a onças e lobos-guarás adultos, além de centenas de aves, vivem no Centro de Recuperação de Animais Silvestres (CRAS) cerca de mil animais. Alguns, depois de tratados, têm a chance de retornar à natureza, como o lobo-guará Balu, de um ano e dois meses, que foi atropelado e chegou à associação com duas fraturas e agora está prestes a ser reintroduzido. Outros não têm a mesma sorte e precisam ficar em abrigos em condições adequadas para as espécies.
Entre os animais com menos chance de voltar estão algumas das 16 onças pintadas e pardas que vivem na Mata Ciliar. A mais antiga chegou ali há 18 anos. “São animais que já estão aqui há muito tempo ou que têm algum problema. Se não podem voltar, temos obrigação de dar qualidade de vida para eles”, afirma Cristina. Ela se refere ao fato de que as onças vivem em recintos de apenas 40 metros quadrados, que, apesar de estarem em acordo com as determinações do Ibama, não são exatamente o melhor conforto possível para animais tão grandes.
A ONG está fazendo uma “vaquinha virtual” para a construção de novos recintos para seus maiores animais, as onças. Em parceria com a ONG Ampara Animal, o projeto de crowdfunding “A Toca da Onça” tem como objetivo levantar recursos para a construção de seis novos recintos para as onças, de 180 metros quadrados, enriquecidos com vegetação natural, além de um novo recinto de reabilitação de 3 mil metros quadrados para ampliar as chances de soltura de outros animais.
Até agora a campanha coletou pouco mais de R$ 35 mil, mas a expectativa é chegar a R$ 500 mil. “Quando se trata de animais silvestres, infelizmente as pessoas ainda tendem a vê-los como distantes e as doações ficam mais difíceis. Ainda estamos indo mais devagar do que a gente imaginava. O investimento é alto porque são animais muito fortes, que escalam, que caçam, que precisam de estrutura reforçada e, claro, o enriquecimento ambiental também acaba encarecendo”, explica Juliana Camargo, presidente da Ampara Animal.
Contribua pela vida de um dos maiores representantes da fauna silvestre brasileira ameaçada de extinção!
Com informações do Estadão