Lama de Mariana pode ter afetado animais marinhos pouco conhecidos

Quase seis meses após o maior desastre ambiental do país, ainda há impactos ocultos sobre a fauna marinha brasileira. Em novembro do ano passado, a barragem de Fundão da mineradora Samarco rompeu, promovendo um tsunami de lama que já percorreu 650 quilômetros ao longo da bacia do rio Doce, considerada uma das mais importantes bacias hidrográficas da América do Sul.
A onda de lama pode ter afetado uma enorme variedade de organismos marinhos ainda pouco estudados, como a água-viva Kishinouyea corbini Larson. Extremamente rara, a única população estabelecida e conhecida no Atlântico Sul Ocidental ocorria na praia dos Padres, em Aracruz, no Espírito Santo, região também atingida pelo mar de lama.
Essa água-viva peculiar vive com a boca para cima capturando alimento, enquanto a maioria das águas-vivas tem a boca para baixo. Ela também não nada, vivendo presa ao assoalho marinho ou a algum outro organismo por meio de um pedúnculo. Ela foi a primeira espécie da classe Staurozoa registrada no Brasil, exatamente na costa do Espírito Santo.
“Todas essas particularidades dessa população de água-viva, que poderiam trazer informações importantes e únicas sobre a química, a morfologia e o contexto ecológico de todo o grupo e nos auxiliar a aumentar a compreensão sobre a vida em ambientes com diferenciação ecológica afetados pelas mudanças climáticas, podem ter sido perdidas”, estimou Antonio Carlos Marques, professor do Instituto de Biociências (IB) e diretor do Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da Universidade de São Paulo (USP). Marques e Lucília Souza Miranda, pós-doutoranda no IB-USP, publicaram artigo na revista BIOTA Neotropica em que chamam a atenção para os impactos ocultos do desastre ambiental de Mariana sobre os animais marinhos, destacando o exemplo da água-viva.
De acordo com Marques, ainda não é possível estimar os impactos do desastre ambiental de Mariana na população da água-viva encontrada no litoral capixaba, porque continuam ocorrendo derramamentos esporádicos de lama, causando uma enorme mortalidade de sua biota, em sua maioria enterrada e sufocada pelos sedimentos.
“É evidente que muitos animais, algas e plantas vão desaparecer em razão da formação de depósitos espessos de sedimentos porque não estavam preparados para lidar com catástrofes dessa magnitude. O desastre ambiental de Mariana equivaleria a catástrofes como erupções de vulcões em pequenas ilhas, que dizimam uma extensa gama de habitantes das vizinhanças”, comparou Marques.
Para ele, o desastre de Mariana não é um fato isolado, mas uma consequência de como a sociedade brasileira vem tratando o ambiente e a conservação marinha. “O desastre ambiental de Mariana demonstra uma desconsideração com a sustentabilidade e a conservação de ambientes que serão vitais no futuro e é decorrente de uma política ambiental que precisa ser muito melhorada em todos os níveis”, afirmou.
Com informações da Agência Fapesp