Desmatamento afeta tamanho de peixes na Amazônia

O desmatamento na Amazônia para criação de áreas agrícolas tem afetado os peixes da região. Estudo desenvolvido no Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) mostra que houve diminuição no tamanho de algumas espécies habitantes do rio Xingu. O ecólogo Paulo Ricardo Ilha Jiquiriçá coletou quase 4 mil peixes de 36 espécies diferentes na região de Canarana, no Mato Grosso, cidade conhecida como portal do Xingu. Ele conta que seus estudos tinham como objetivo inicial avaliar os efeitos do desmatamento e da construção de barragens sobre a fauna de peixes (assembleias), mas no decorrer da pesquisa constatou que o tamanho dos animais nos riachos em áreas agrícolas era significativamente menor em comparação aos riachos em áreas de florestas. O trabalho foi desenvolvido sob orientação do professor Luis Cesar Schiesari, do curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes Ciências e Humanidades (EACH), e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Paulo Ricardo iniciou o projeto em 2011. Além dos estudos nos laboratórios do IB, ele passou cerca de 18 meses em pesquisas de campo, residindo em Canarana. Lá, em colaboração com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o cientista realizou coletas em seis riachos, sendo três localizados em áreas de florestas e outros três em áreas agrícolas.
Nestes locais é comum a degradação de matas ciliares e construção de barragens que represam trechos dos riachos, seja para armazenar água para o gado ou para abastecer pequenas hidrelétricas. Segundo Paulo, a região já conta com mais de 10 mil pequenas barragens. Os cursos d’água avaliados no estudo estão nas cabeceiras de rios afluentes que formam o rio Xingu (rios Tanguro e Darro), no centro-leste do Mato Grosso. A região é uma das maiores produtoras de soja do país e está localizada no arco do desmatamento amazônico.
A pesquisa constatou, por exemplo, que uma espécie de rivulídeo, parente dos “killifishes” de aquário, que mede menos de quatro centímetros, aumentou em abundância nos riachos agrícolas. “Isso ocorreu devido a alterações das características naturais dos riachos. Após o desmatamento, as margens desses córregos são invadidas por gramíneas (Brachiarias) que reduzem a profundidade e criam um ambiente onde os predadores dos rivulídeos não conseguem alcançá-los, o que permite sua proliferação”, conta. Em contrapartida, espécies que eram comuns nos riachos desapareceram das represas. “Ao menos três espécies de pequenas ‘piabas’ que eram comuns em trechos de água corrente não foram encontradas em trechos represados”, conta.
Outra constatação que chama atenção é de que quatro das seis espécies mais abundantes nos riachos estudados diminuíram de tamanho (em massa), entre 44% e 57%, nas áreas agrícolas. “É provável que o aquecimento da água seja responsável, ao menos em parte, pela redução de tamanho dessas espécies”, acredita o ecólogo.
Medições feitas em campo mostraram que nos riachos de florestas ainda não alterados em suas características, as temperaturas da água eram, em média, entre 24 graus Celsius (°C) e 26°C. “Já nos riachos em áreas agrícolas, nas horas mais quentes do dia, as temperaturas atingiram até 35°C”, descreve. Para testar essa hipótese, Paulo realizou um experimento em laboratório no Departamento de Fisiologia do IB em colaboração com o professor Carlos Arturo Navas Ianini.
Peixes da mesma espécie de rivulídeo foram criados em temperaturas semelhantes às dos riachos agrícolas e de florestas. “Os peixes criados em temperatura semelhante às dos riachos agrícolas perderam massa, diminuindo de tamanho, enquanto os peixes criados em temperatura semelhante às dos riachos de florestas cresceram”, explica. A pesquisa não investigou os mecanismos fisiológicos que levam à diminuição do tamanho dos peixes, mas constatou que a temperatura da água é um fator preponderante.
Paulo ressalta que este pode ser o primeiro estudo a fazer a relação direta entre a redução de tamanho dos peixes e o aquecimento provocado pela conversão de florestas em áreas agrícolas. “É possível que isto esteja acontecendo ao longo de todo o arco do desmatamento amazônico e que venha a causar perdas de biodiversidade”, alerta.
Com informações da Agência USP de Notícias