Rejeitos de minério atingirão unidades de conservação marinha

O mar de lama proveniente da ruptura de barragem da Samarco, em Mariana, no último dia 5, em breve alcançará o mar. A poluição por metais pesados, verificada em análises laboratoriais de amostras de água do rio Doce, vai acarretar sérios danos à biodiversidade marinha, contaminando peixes e alimentos produzidos na região. Os rejeitos deverão impactar três unidades de conservação marinha: a Reserva Biológica (Rebio) de Comboios, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa das Algas e a Reserva de Vida Silvestre (RVS) de Santa Cruz, todas localizadas no Espírito Santo.
Para o biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, de Aracruz (ES), uma das instituições de pesquisa ambiental mais antigas do país, os efeitos dessa catástrofe ambiental chegarão ao Oceano Atlântico, onde deságua o rio, gerando um “desastre internacional”.
Segundo Ruschi, os rejeitos atingirão um importante ecossistema, em uma área de reprodução marinha que se estende por cerca de 10 mil quilômetros quadrados, próximos da foz do rio Doce. Muitas espécies, como baleias, marlins e tubarões, além de tartarugas, buscam aquela área para se reproduzir, tendo o rio como fornecedor de nutrientes. “O litoral do Espírito Santo é a ‘Amazônia marinha’ do mundo. A região conta com uma grande biodiversidade que ajuda a processar a energia solar e filtra 15% do gás carbônico do planeta. Temos ali o maior banco de algas, calcário e corais do mundo”, diz o pesquisador. Ele alerta ainda que se o ecossistema morrer, pode haver significativo aumento na temperatura do planeta.
Nesta terça-feira (17), a lama atingiu a cidade de Baixo Guandu, no Espírito Santo. O nível de turbidez estava entre 10 mil e 50 mil NTU (Unidade Nefelométrica de Turvação), de acordo com o Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A intensidade considerada normal é de 100 NTU.
A presença de metais pesados no rio Doce foi constatada em análise feita pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Baixo Guandu (ES). O laudo aponta contaminação por arsênio em 263 vezes acima do permitido. Outros elementos como chumbo, manganês, alumínio, bário e cromo também apresentaram níveis elevados. A presença de metais pesados também foi constatada em análises do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).
Novo risco de ruptura
Nesta terça-feira (17), a Samarco admitiu que as duas represas remanescentes do complexo – Germano, a maior de todas, que contém rejeitos, e Santarém, que acumula água – correm risco de ruptura. Segundo a mineradora, o reparo da primeira vai durar 45 dias, enquanto a segunda, cuja contenção foi erodida pelo fluxo de lama do desastre, só deve estar completamente reparada em 90 dias. A chegada da chuva agrava ainda mais a situação.
De acordo com o engenheiro civil José Bernardo, geotécnico da Samarco, a prioridade é consertar a Barragem de Germano. “Com o esvaziamento (do Fundão), a Selinha (um dos três diques) sofreu erosão. O atendimento é emergencial e vamos reparar a partir da base. O aterro de blocos de rocha será construído de baixo para cima, para escorar o dique”, afirmou.
Conforme reportagem do jornal Estado de Minas, o fator de segurança da parede mais frágil de Germano é de 1,22, em uma escala cujo ideal é 2. Está abaixo do coeficiente de segurança recomendado, de 1,5, e até do considerado aceitável pela empresa em situações adversas, que é de 1,3 – a título de comparação, a segurança da Barragem do Fundão, que se rompeu, era de 1,58, acima do recomendado, segundo o laudo da última vistoria, realizada em julho.
O trabalho de reforço das estruturas começou no dia 10. Serão necessários 500 mil metros cúbicos de terra e blocos de pedra para as barragens. Há 170 pessoas trabalhando no projeto. “Todas as obras estão ocorrendo em paralelo, mas estamos priorizando a contenção de Selinha e a barragem de Santarém, mas vamos trabalhar todas as estruturas para que o coeficiente de segurança fique acima de 1,5”, afirmou o diretor de Operações e Infraestrutura, Kléber Terra.
A situação da barragem de Santarém preocupa, com coeficiente de segurança de 1,37. “Em Santarém, estamos com um cronograma de aproximadamente 90 dias para transportar todo o material, terminar a abertura dos acessos. Faremos o preenchimento da erosão, o nivelamento da crista da barragem e a recuperação da extremidade, de modo a aumentar o nível de segurança”, explicou o engenheiro José Bernardo.