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Opinião

Rotas para um futuro justo e sustentável: soluções financeiras para conservar a biodiversidade

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*Fernando Campos e Heitor Dellasta

Estimativas apontam para uma lacuna entre US$ 598-824 bilhões por ano de recursos financeiros necessários para a conservação da biodiversidade.

Embora a biodiversidade seja algo aparentemente distante das pessoas que vivem nas cidades, a qualidade de vida humana e a economia estão intimamente conectadas com os benefícios que a natureza nos oferece, gratuitamente. Por exemplo, o ar que respiramos, a água que bebemos e o que comemos dependem da biodiversidade.

Sem polinizadores, boa parte de nossa produção agrícola estaria comprometida. Ecossistemas naturais conservados — como matas ciliares, mangues e restingas — diminuem os impactos de enchentes e ressacas marítimas.

Florestas contribuem em diversos aspectos na regulação do clima e a cura para muitas doenças provavelmente está guardada nos genes de plantas e animais ainda não identificados.

Esses exemplos configuram os chamados “serviços ecossistêmicos” ou “contribuições da natureza para as pessoas”, benefícios que obtemos da natureza e das interações ecológicas entre as espécies que compõem os ecossistemas.

Apesar de sua importância para os seres humanos e para a economia, a perda e a degradação da biodiversidade ainda se mantêm em níveis alarmantes.

Não se sabe ao certo quanta biodiversidade podemos perder antes de provocarmos um colapso ecológico, porém já sabemos que essa perda está associada a diversos riscos globais que afetam de maneira desigual os diferentes países, impactando mais fortemente as regiões e pessoas mais pobres e vulneráveis.

Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, sigla em inglês), dos 8 milhões de espécies animais e vegetais que se estimam viverem na Terra, cerca de 1 milhão pode desaparecer completamente nas próximas décadas.

Seguindo este entendimento, ao analisarmos os maiores impactos causados pela crise da biodiversidade, vemos que é cada vez mais necessário e urgente o reconhecimento e a garantia de direitos dos povos indígenas e comunidades locais, assim como o fortalecimento de seus territórios, organizações e meios de sobrevivência e produção, através de investimentos socioambientais, como forma eficaz do fomento de conservação da biodiversidade.

As intervenções socioambientais precisam garantir resultados positivos para as pessoas e a natureza e, para isso, a diversidade deve ser o caminho. Para cobrir a lacuna atual de financiamento é necessário não só ampliar, mas destravar e diversificar novos fluxos de capital para a biodiversidade.

Para garantir mitigação e adaptação às transformações do planeta, é necessário apostar em desenhos que unam ciência e conhecimento locais.
Estancado a crise
No entanto, os recursos para estancar essa crise de forma equitativa ainda não são suficientes. Do ponto de vista financeiro, diversos estudos apontam uma lacuna expressiva de recursos para a conservação nesta década: um valor que varia entre US$ 598~824 bilhões por ano, levando em consideração a demanda até 2030 para a conservação da biodiversidade global.

Por um lado, para cobrir a lacuna atual de financiamento para a biodiversidade, é necessário não apenas ampliar o volume de recursos financeiros, mas também destravar e diversificar as fontes de fomento para a biodiversidade.

Embora os governos devam manter o papel de liderança na conservação, sozinhos eles não poderão fornecer o financiamento necessário para garantir essa proteção.

Igualmente, os recursos filantrópicos não serão suficientes para esse fim, apesar de essenciais para catalisar ou reduzir os riscos dos investimentos.

Por sua vez, o setor privado é frequentemente apresentado como uma grande alternativa, considerando que o montante dos recursos financeiros que poderiam trazer, em muitos casos, excedem (em grande quantidade) os dos governos e da filantropia.

O ponto principal é que soluções financeiras inovadoras só ocorrerão através de estruturas que reúnam capitais de origem diversas, corroborando com as iniciativas sobre finanças híbridas (blended finance). Entende-se que cada origem de recurso tem potenciais e desafios diferentes e a sua combinação tende a gerar uma solução financeira muito mais saudável.

Recentemente, a Sitawi lançou um mapeamento de soluções financeiras para conservação da biodiversidade que traz luz às diversas estruturas que podem ser desenvolvidas para atingir tal propósito.

Por outro lado, como já falado, é necessário também incluir aspectos de justiça social, através de processos desenhados a partir de metodologias participativas e processos de tomada de decisões descentralizados junto aos povos indígenas e as comunidades locais. Assim, as soluções financeiras podem ser potencializadas ao incorporarem o vasto conhecimento das pessoas.

Em nossa enorme diversidade sociocultural estão pessoas que possuem visões de mundo intimamente relacionadas com práticas de uso e manejo sustentável de seus territórios, essenciais para o sucesso de programas territoriais com impactos positivos para as pessoas e a natureza.

A incorporação desses atores nas soluções financeiras permitem a execução de programas que garantem a conservação da natureza, a garantia dos direitos e qualidade de vida e as expressões culturais dessas pessoas.

E, sim, a conservação e a restauração da biodiversidade, dos ecossistemas e de seus serviços associados representam uma base potencial para um novo desenvolvimento social e econômico, que seja fonte de geração de empregos e de redução da pobreza e da desigualdade socioeconômica.

Essa oportunidade é mais bem vislumbrada quando analisamos que cerca de 40% da cobertura vegetal do Brasil está nos municípios onde vive 13% da população mais carente e vulnerável.

Embora a concentração de pobreza nesses municípios represente um risco para a manutenção desses remanescentes, há também uma grande oportunidade para desenvolver e implementar modelos de negócios que conciliem prosperidade socioeconômica com a conservação de recursos naturais.

Recentemente, uma pesquisa do Instituto Escolhas demonstrou que a redução de 1% de pessoas em situação de extrema pobreza está associada à diminuição de mais de 42 mil hectares no desmatamento total do país.

Já o aumento em 1% do índice de empregos formais tem relação com a diminuição do desmatamento em mais de 87 mil hectares, uma área superior ao tamanho do município de Goiânia, para exemplificar.

É imprescindível dizer que, se desejamos um futuro sustentável e justo para todos os seres que vivem neste planeta, é necessário repensar e readequar os fluxos financeiros que impactam a natureza e integrar de forma equitativa as diferentes povos indígenas e comunidades locais nos processos de governança e desenvolvimento local.

* Fernando Campos e Heitor Dellasta atuam na área de Finanças de Conservação e Clima da Sitawi Finanças do Bem, como gerente e analista, respectivamente.

Fonte: Um só planeta