Opinião

A exploração de petróleo na Amazônia e o passaporte para o inferno climático

*José Eustáquio Diniz Alves

O mundo precisa interromper a queima de combustíveis fósseis, zerar as emissões líquidas de CO2 e retirar carbono da atmosfera para evitar que o efeito estufa gere um aquecimento global catastrófico que transforme amplas áreas da Terra em regiões inabitáveis. Mas, é claro que não dá para fazer tudo isto de imediato, pois a economia mundial ainda é muito dependente dos hidrocarbonetos.

Segundo as metas do Acordo de Paris, as emissões de gases de efeito estufa precisam ser reduzidas pela metade até 2030 e zeradas até 2050. Desta forma, o mundo pode planejar o abandono dos combustíveis fósseis, capitalizando os investimentos já realizados, evitando a abertura de novos campos e canalizando os novos investimentos para as energias renováveis e para a eficiência energética.

Durante a campanha eleitoral de 2022 a campanha de oposição criticou as ações antiambientais do governo Bolsonaro e prometeu seguir os princípios do Acordo de Paris, eliminar o desmatamento ilegal, defender a biodiversidade da Amazônia, manter a floresta de pé, investir na bioeconomia e transformar a Petrobras em uma empresa de energia e não de petróleo, entre outros pontos.

Nos primeiros meses de 2023, o governo Lula conseguiu reativar o Fundo Amazônia e conseguiu novos parceiros para ampliar os recursos para os investimentos ecologicamente sustentáveis, a defesa do meio ambiente e a proteção dos povos indígenas.

Na reunião do G-7 na cidade de Hiroshima, no Japão, o presidente Lula buscou ampliar ainda mais o apoio para a defesa da Amazônia e da biocapacidade brasileira. Em 2025, o Brasil sediará a COP-30, em Belém, e a defesa da Amazônia e a redução das emissões de gases de efeito estufa serão temas centrais.

Nesta conjuntura global, seria incoerente, para dizer o mínimo, o Brasil iniciar a exploração de campos de petróleo nas margens equatoriais do território brasileiro na foz da bacia do rio Amazonas e na foz do rio Oiapoque.

O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, seguiu o parecer dos técnicos do órgão e, no dia 17 de maio, negou a licença para a Petrobras perfurar um poço em busca de petróleo na região.

No dia 18 de maio, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima divulgou a seguinte nota sobre o indeferimento de licença para perfuração no bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas: “A decisão sobre licenças ambientais que cabem ao governo federal compete exclusivamente ao Ibama, a partir de análise e fundamentação técnicas.

No processo de licenciamento do bloco FZA-M-59, na bacia da Foz do Amazonas, a equipe da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama concluiu, após análise aprofundada e baseada em evidências técnicas e científicas, que não há elementos que subsidiem uma manifestação favorável à licença.

A decisão do presidente do Ibama se deu em consonância com a conclusão da área técnica. O parecer técnico considerou, entre outros pontos, ‘inconsistências identificadas sucessivamente no projeto analisado’, ‘notória sensibilidade socioambiental da área de influência e da área sujeita ao risco’ e ‘latente necessidade de se elaborarem avaliações mais amplas e aprofundadas para atestar a adequabilidade da cadeia produtiva da indústria de petróleo e gás na região’”.

Artigo de Cláudia Antunes (Sumaúma, 17/05/2023) esclarece que: “A abertura de uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia é um dos grandes impasses do atual governo. A posição firme do Ibama respeita as promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de proteger a maior floresta tropical do planeta, essencial para a regulação do clima, e combater o colapso climático.

A decisão do órgão ambiental terá grande repercussão internacional — e também dentro do Brasil, um país que ainda hoje tem o petróleo como símbolo de progresso. Ao deixar o processo de licenciamento seguir seu curso, sem interferir, Lula fortaleceu a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e mostrou ter compreendido seu papel no cenário internacional, num momento em que os combustíveis fósseis se tornaram os vilões de um planeta em colapso climático”.

A decisão do Ibama ocorreu na semana em que a Organização Meteorológica Mundial (OMM) acaba de confirmar que há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar o limite de 1,5°C entre 2023 e 2027. O Instituto Berkeley Earth, da Universidade de Berkeley, da Califórnia, diz que cresce a chance de 2023 ser o ano mais quente do planeta na era observacional, já que o maior aquecimento do planeta nos próximos meses será influenciado pelo evento El Niño.

Mais da metade dos maiores lagos e reservatórios do mundo estão secando devido ao aquecimento global e à maior demanda populacional, pondo em risco o futuro hídrico da humanidade, afirmou um estudo publicado, dia 18/05, na revista Science. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o aumento da temperatura do Planeta é uma ameaça existencial à humanidade e à vida na Terra.

O Secretário-geral da ONU, António Guterres, disse recentemente: “Se os governos continuarem com as mesmas políticas ambientais atualmente em vigor, o mundo ficará 2,8°C mais quente até o final do século, o que seria uma sentença de morte para a vida na Terra”. E reforçou: “Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”.

Por tudo isto, parece que o presidente Lula percebeu o erro de considerar o petróleo um “passaporte para o futuro”, pois, na prática, o combustível fóssil é uma fonte energética do passado e que precisa ser abandonada. Na verdade, os hidrocarbonetos são um passaporte para o futuro … do pretérito.

Mas, não há consenso no governo e nem no Congresso Nacional. A ganância da turma extrativista e dos interesses paroquiais se revoltou contra a decisão técnica do Ibama, buscando defender os lucros da indústria fóssil e voltaram suas artilharias contra a ministra do MMA, Marina Silva.

Exatamente a ministra que foi contra o desastre ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte e, durante a campanha presidencial de 2014, ousou questionar a prioridade que o governo dava ao pré-sal. Como resultado pagou um preço altíssimo.

Agora a ministra tem sido vítima da ira do senador do Amapá, Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso Nacional. O senador que, em geral, apresentava um discurso em defesa do meio ambiente, optou por abandonar o partido pelo qual foi eleito (Rede sustentabilidade) e assumiu uma postura em defesa da indústria fóssil, além de se aliar ao senador Davi Alcolumbre para reproduzir a postura de opor as demandas sociais paroquiais aos direitos ambientais.

O ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, utilizou muito o discurso da defesa dos royalties do petróleo em benefício da população fluminense. Ele dizia que com os recursos fósseis acabaria com a pobreza e ofereceria uma educação e uma assistência médica de primeiro mundo. Evidentemente, nada disto aconteceu, a corrupção correu solta e o estado do Rio de Janeiro está em petição de miséria.

Em vez de aumentar a exploração de petróleo, o Brasil pode se tornar uma potência global de energia limpa e salvar a Amazônia com um plano de desenvolvimento que produza mais alimentos usando menos terras e melhore a proteção das florestas, como mostrou um recente Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o Brasil, publicado pelo Banco Mundial.

O relatório destaca a posição privilegiada do Brasil em termos de acesso a energias renováveis, e tem uma grande vantagem competitiva no crescente mercado global de bens e serviços mais verdes. Quase metade de toda a energia usada no Brasil – mais de 80% no caso da energia elétrica – já vem de fontes renováveis, em comparação com as médias mundiais entre 15% e 27%.

O Observatório do Clima, que reúne organizações e centros de estudos sobre mudança climática e meio ambiente, disse em nota que, com a decisão do presidente do Ibama “protege um ecossistema virtualmente desconhecido e mantém a coerência do governo Lula, que tem prometido no discurso se pautar pelo combate à crise climática”.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, afirmou que barrar a exploração de petróleo é uma oportunidade para que o Brasil “lidere pelo exemplo”, caminhando para a eliminação da exploração de combustíveis fósseis e para a construção de um mundo ecologicamente sustentável.

*José Eustáquio Diniz Alves é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1980), mestrado em Economia (1983), doutorado em Demografia pelo CEDEPLAR-UFMG (1994) e pós-doutorado pelo Nepo/Unicamp.

Fonte: Eco Debate