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Opinião

Novo relatório do IPCC: uma síntese do impacto das mudanças do clima

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*Paulo Artaxo

O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) lançou seu relatório síntese AR6, que apresenta os resultados dos três grupos de trabalho do IPCC que foram elaborados nos últimos 5 anos. Isso inclui questões socioeconômicas e do meio físico, além dos impactos e estratégias de mitigação e adaptação.

O Sumário Executivo completo está disponível online e é possível ter livre acesso a muitos dados novos sobre os impactos e questões de adaptação ao novo clima.

O relatório é muito contundente e sintetiza o impacto das ações humanas no clima. Ele é mais um forte alerta para a humanidade dos riscos para a estabilidade climática do nosso planeta e discute os impactos nos ecossistemas, na produção de alimentos, na disponibilidade hídrica e, também, na sustentabilidade urbana.

De forma clara e explícita, o documento ressalta que a humanidade caminha para uma situação climática potencialmente desastrosa para todo o planeta, mas enfatiza que ainda há tempo para evitar mudanças mais profundas e radicais do clima global. Os pesquisadores clamam por ações rápidas e profundas de redução de emissões e, ao mesmo tempo, alertam para a necessidade de adaptação ao novo clima que já está entre nós.

Redução de combustíveis fósseis
O AR6 ressalta a importância da redução da queima de combustíveis fósseis e o fim do desmatamento tropical. O documento enfatiza que já temos todos os recursos financeiros e tecnológicos para reduzir pela metade as emissões até 2030 e diz que é preciso multiplicar esforços financeiros para adaptação e mitigação, especialmente em países em desenvolvimento.

Ele destaca, ainda, que “a redução das barreiras para aumentar os fluxos financeiros exigiria sinalização clara e apoio dos governos, incluindo um alinhamento mais forte das finanças públicas”.

Um tema que tem sido polêmico nas ultimas conferências climáticas também foi abordado, ressaltando a importância da compensação por perdas e danos, especialmente em comunidades e países pobres e vulneráveis, dado que os eventos climáticos extremos continuarão a se intensificar nos próximos anos.

O alerta segue forte: “reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões levariam a uma desaceleração discernível do aquecimento global dentro de cerca de duas décadas”, apontou o relatório. “Dar prioridade a equidade, justiça climática, justiça social, inclusão e processos de transição justa podem permitir ações de adaptação e de mitigação ambiciosas e desenvolvimento resiliente ao clima”.

Dar prioridade a equidade, justiça climática, justiça social, inclusão e processos de transição justa podem permitir ações de adaptação e de mitigação ambiciosas e desenvolvimento resiliente ao clima.

Relatório síntese AR6, do IPCC, divulgado em 20 de março:
A Amazônia é uma questão central nas mudanças climáticas por seu enorme estoque de carbono no ecossistema: são cerca de 120 bilhões de toneladas, que correspondem a 10 anos da queima atual de combustíveis fósseis. O Brasil tem que zerar o desmatamento o mais rápido possível, e restaurar adequadamente enormes áreas desmatadas e abandonadas. E é importante salientar que temos pelo menos 4 vantagens estratégicas importantes na ação climática:

1. Podemos reduzir em 50% nossas emissões de gases de efeito estufa, zerando o desmatamento. Nenhum outro país do nosso planeta tem esta vantagem estratégica de reduzir suas emissões e ainda ter ganhos ambientais enormes, com a manutenção dos serviços ecossistemas fornecidos pela floresta;
2. Temos um significativo programa de biocombustíveis, único no mundo, que evita a queima de combustíveis fósseis de parte da frota veicular;
3. Temos um dos maiores potenciais de geração de energia solar e eólica a baixo custo, em particular no Nordeste e em nossa grande área costeira;
4. Temos um potencial de sequestro de carbono, com geração de renda através do mercado de carbono, que é um dos maiores do planeta.
Mas também temos importantes vulnerabilidades, tais como uma economia baseada no agronegócio, e um sistema de geração de hidroeletricidade que que é muito vulnerável ao padrão de chuvas e ao clima. Teremos dificuldades importantes na adaptação climática no Nordeste brasileiro, que com o aumento significativo da temperatura e a redução da precipitação, pode se tornar uma região árida inviabilizando a vida de milhões de brasileiros.

Enfim, o relatório síntese do AR6 IPCC é mais um importante alerta para a sociedade, governos e empresas, da necessidade absoluta de mudarmos nosso atual modelo de desenvolvimento econômico e alinharmos nossa estrutura socioeconômica na direção dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Esse é o único caminho possível, se quisermos evitar um aumento de temperatura médio global de 4 graus Celsius, que certamente trará condição difíceis de sobrevivência para a humanidade. É possível reverter o processo e caminhar na direção de uma sociedade sustentável.

* Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS), e é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Fonte: Plena Mata