Opinião

Corredores ecológicos

*Leonardo Melgarejo

Nesta semana eu apostaria na Romaria da Terra, como o evento a ser destacado. Milhares de pessoas reunidas em compromisso de ações solidárias em defesa dos territórios físicos, morais e espirituais por onde a vida se estende.

Milhares em marcha, chamando a sociedade à consciência e à necessidade de que povos e governos se mobilizem para garantir que os bens comuns, aqui tão abundantes, não se façam surrupiados, destruídos, transformados em mercadorias. Que eles cumpram sua função social, como condição necessária para que os direitos humanos se façam respeitados e que o horizonte de vida se estenda, com dignidade, para todos.

Demandas históricas, enraizadas no tempo, estiveram presentes na 45ª Romaria da Terra. Promessas descumpridas, alimentando dramas que tendem a se estender enquanto ignorarmos a mensagem da Romaria da Terra. Enquanto nossa apatia, cegueira e surdez permitirem a continuidade e a maquiagem das velhas formas de discriminação e racismo que lhes dão corpo.

Afinal, como ignorar que as vítimas da fome, dos juros altos que reduzem oportunidades de trabalho, da concentração de terras, dos desastres ambientais, assim como o calvário daqueles buscam saídas desesperadas, que morrem à bala ou lotam as prisões aguardando julgamento, têm nas oportunidades de vida, na remuneração mensal e na cor da pele elementos que os empurram em direção à carência de trabalho e pão?

São os sem dono, como aquelas crianças preteridas aos porcos, no filme Ilha das Flores. São os Condenados da Terra, apontados por Fanon, “quase todos pretos… e quase brancos quase pretos de tão pobres” como escreveu Caetano Veloso. Por eles e por nós marcharam aqueles romeiros, e com eles andaram “Sepé Tiaraju, Zumbi dos Palmares, Rose, Irmã Doroty, Chico Mendes, Bruno e Dom, testemunhas de vivências na mais profunda e radical doação”.

Por isso, entendo a Romaria como uma espécie de corredor ecológico, que se impõe, ligando corações e mentes distantes no tempo e no espaço. Um corredor que alimenta a biodiversidade ao mesmo tempo em que revela identidades e destaca seus laços.

Vejo/sinto na Romaria da Terra algo mais concreto, talvez maior (se é que seria possível) do que um movimento messiânico, de fundamento religioso e místico.

Penso nela como algo da atualidade, do “nosso” presente. Uma continuidade da “nossa” vivência, do que aprendemos em contato com as experiências que nos foram oferecidas. Uma espécie de sinal orientador de caminhos que nos ajudariam a enfrentar a tendência comodista de aceitação e subordinação a interesses que nos controlam.

Algo que aponta caminhos e que por isso tem caráter revolucionário e tende a ser ocultado pelos interesses e crimes ali denunciados. Sinto que a Romaria, ao conectar trabalhadores urbanos e rurais a povos indígenas e de matriz africana, a ambientalistas e a ativistas de todos os credos, nos chama para a luta política, contemporânea, em defesa da vida.

Enfim, entendo que a Romaria nos mostra que, juntos e juntas, podemos fazer mais e melhor pela Casa Comum. Pensar globalmente, agir localmente, construindo espaços e corredores ecológicos, de resistência, fortalecendo o ativismo de todos aqueles que orientam sua mente em rumo a um futuro com “Terra e Pão – em defesa dos territórios e da vida”.

*Leonardo Melgarejo é ngenheiro Agronômo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1976), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário na CTNBio (2008-2014) e presidente da AGAPAN (2015-2017).

Fonte: Brasil de Fato.