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Opinião

O mundo precisa de seis mil árvores para cada ser humano

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*José Eustáquio Diniz Alves

” Reverter o desmatamento, plantar árvores e restaurar a vida selvagem é não só um dever ético, mas também uma tábua de salvação para a própria humanidade – A floresta precede os povos. E o deserto os segue, François-René Chateaubriand (1768-1848)

O Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado todo 05 de junho, foi estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, marcando a abertura da Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, em 1972.

Entre os objetivos das comemorações estão: “a) Mostrar o lado humano das questões ambientais; b) Capacitar as pessoas a se tornarem agentes ativos do desenvolvimento sustentável; c) Promover a compreensão de que é fundamental que comunidades e indivíduos mudem atitudes em relação ao uso dos recursos e das questões ambientais; d) Advogar parcerias para garantir que todas as nações e povos desfrutem um futuro mais seguro e mais próspero”.

Nos últimos 50 anos, nunca se falou tanto em meio ambiente. Contudo, a situação ambiental do Planeta piorou e, no rumo atual, pode estar caminhando para um colapso, caso não haja uma mudança de rumo. O homo sapiens surgiu há cerca de 200 mil anos na África e se espalhou por todos os cantos do Planeta.

Na medida em que o número de habitantes crescia e as atividades antrópicas aumentavam o grau de dominação e exploração, a natureza definhava. A biodiversidade e as áreas selvagens do mundo estão perdendo espaço e direitos, enquanto as civilizações humanas foram se tornando onipresentes em um meio ambiente degradado.

A Revolução Industrial e Energética que teve início no final do século XVIII possibilitou um grande crescimento demoeconômico. Nos últimos 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes.

Este elevado crescimento demoeconômico foi maior do que o de todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do encolhimento e empobrecimento do meio ambiente.

O conjunto das atividades antrópicas ultrapassou a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica da humanidade extrapolou a Biocapacidade do Planeta. A dívida do ser humano com a natureza tem crescido enquanto se destrói a base ecológica que sustenta a economia e a sobrevivência humana.

A cobertura vegetal é uma das principais vítimas da expansão humana. Estima-se que havia 6 trilhões de árvores no mundo antes da Revolução Industrial, quando a população mundial era de menos de 1 bilhão de habitantes (6 mil árvores por pessoa).

Mas o rápido crescimento da produção de bens e serviços provocou a destruição da metade das florestas do Planeta. O número de árvores no mundo caiu de 6 trilhões para 3 trilhões de unidades, segundo o estudo publicado na prestigiosa revista acadêmica Science (Bastin et. al. 05/07/2019).

E o pior, os seres humanos estão destruindo 15 bilhões de árvores por ano, enquanto o aparecimento de novas unidades e o reflorestamento acrescenta somente 5 bilhões de árvores. Ou seja, o Planeta está perdendo 10 bilhões de árvores por ano e pode eliminar todo o estoque de 3 trilhões de árvores em 300 anos.

O gráfico, do site Our World in Data, no início do Holoceno (há cerca de 10 mil anos) havia 10,6 bilhões de hectares cobertas por florestas, arbustos, pastagens e outros espaços selvagens – representando 71% da superfície terrestre do Planeta. O restante – 29% da superfície terrestre do Planeta – é coberta por gelo, rochas, desertos e terras estéreis.

No final da última grande era glacial, estima-se que 57% das terras habitáveis do mundo eram florestadas. Desde então, pessoas em todas as regiões do mundo queimaram e derrubaram florestas. A área florestal diminuiu de 6 para 4 bilhões de hectares. Isso significa que nossos ancestrais destruíram um terço das antigas florestas – uma área florestal com o dobro do tamanho dos EUA foi perdida.

Existem duas grandes razões pelas quais os humanos destruíram as florestas e continuam a fazê-lo: a necessidade de terra e a necessidade de madeira. O crescimento da civilização necessita madeira para muitos propósitos: como material de construção para casas, infraestrutura ou navios, para transformá-la em papel e – o mais importante – como fonte de energia. A queima de madeira é uma importante fonte de energia onde há árvores, mas não há fontes de energia modernas disponíveis.

Sem embargo, de longe, o maior motor da destruição das florestas são a agricultura e a pecuária. A humanidade derruba florestas principalmente para dar espaço para os campos cultivarem e pastagens para criar gado. Também derrubamos florestas para dar lugar a assentamentos ou mineração, mas são pequenas em comparação com a agricultura.

O uso da terra para a agricultura não ocorreu apenas às custas das florestas do mundo, mas também levou ao enorme declínio de outros espaços selvagens do mundo, os arbustos e as pastagens, segundo o site Our World in Data (Max Roser, 20/04/2022).

As tentativas de deter o desmatamento não têm obtido sucesso. Artigo de Mark Kinver (BBC News, 12/09/2019) mostra que um acordo global histórico destinado a interromper o desmatamento falhou. Uma avaliação da Declaração de Nova York sobre Florestas (NYDF) diz que ela não cumpriu as promessas-chave.

Lançado na cúpula climática da ONU em 2014, visava reduzir à metade o desmatamento até 2020 e atingir o desmatamento zero até 2030. No entanto, o desmatamento continua a um ritmo alarmante e ameaça agravar as mudanças climáticas perigosas.

Desde que o NYDF foi lançado há cinco anos, o desmatamento não apenas continuou, como também acelerou. A quantidade anual de emissões de gases de efeito estufa resultantes do desmatamento em todo o mundo é equivalente aos gases de efeito estufa produzidos pela União Europeia.

Em média, uma área de cobertura de árvores do tamanho do Reino Unido foi perdida todos os anos entre 2014 e 2018. A perda de florestas tropicais representa mais de 90% do desmatamento global, com o hotspot localizado nas nações da Bacia Amazônica da Bolívia, Brasil, Colômbia e Peru.

O relatório “Protecting and Restoring Forests: A Story of Large Commitments” (Five-Year Assessment Report, September 2019) mostra que o desmatamento está piorando, cinco anos depois que países e empresas prometeram impedi-lo. Se existiam dúvidas sobre os números do desmatamento (como mostrou Fred Pearce, Yale 360, 09/10/2018), os dados atuais são claros em mostrar o grau de degradação da cobertura vegetal global.O mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos árvores. Antes da Revolução a relação era de 6 mil árvores para cada ser humano (cerca de 6 trilhões de árvores para 1 bilhão de seres humanos).

O artigo “Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis”, publicado na revista Nature (Bologna, Aquino, 06/05/2020) mostra a insustentabilidade do crescimento demoeconômico global e conclui: “Com base nas taxas atuais de consumo de recursos e na melhor estimativa de crescimento da taxa tecnológica, nosso estudo mostra que temos uma probabilidade muito baixa, menos de 10% na estimativa mais otimista, de sobreviver sem enfrentar um colapso ambiental catastrófico”.

Evidentemente, não basta deter o desmatamento e ampliar a área verde para evitar uma crise climática. Para controlar o aquecimento global é preciso cortar radicalmente as emissões de gases de efeito estufa. Contudo, o avanço das florestas seria fundamental como fonte de sequestro do carbono que já está na atmosfera.

No artigo, Bologna e Aquino dizem o caminho da redução da cobertura verde é insustentável e apocalíptico: “Em conclusão, nosso modelo mostra que um colapso catastrófico da população humana, devido ao consumo de recursos é o cenário mais provável da evolução dinâmica com base nos parâmetros atuais.

Adotando um modelo combinado determinístico e estocástico, concluímos do ponto de vista estatístico que a probabilidade de nossa civilização sobreviver é inferior a 10% no cenário mais otimista.

Os cálculos mostram que, mantendo a taxa real de crescimento populacional e consumo de recursos, em particular o consumo da floresta, temos algumas décadas restantes antes de um colapso irreversível de nossa civilização. Para agravar a situação, ressaltamos mais uma vez que não é realista pensar que o declínio da população em situação de forte degradação ambiental seria um declínio não caótico e bem ordenado. Esta consideração leva a um tempo restante ainda mais curto”.

Em 2021, o Brasil foi líder na perda de florestas tropicais no mundo, sendo responsável por 40% da derrubada, segundo dados da Global Forest Watch, ferramenta da organização não governamental WRI (World Resources Institute) em parceria com a Universidade de Maryland, nos EUA.

Ao todo, as perdas de florestas tropicais primárias somam 3,75 milhões de hectares (37,5 mil quilômetros quadrados). No Brasil, segundo a plataforma, a perda foi de 1,5 milhão de hectares, ou 15 mil quilômetros quadrados, a maior entre todos os países.

Isto é preocupante, pois o país abriga a maior floresta tropical do planeta. Além disso, o Brasil tem em seu território aproximadamente 33% das florestas tropicais primárias de todo o mundo.

Desta forma, reverter o desmatamento, plantar árvores e restaurar a vida selvagem é não só um dever ético, mas também uma tábua de salvação para a própria humanidade. Mas de nada adianta plantar árvores se o ser humano continuar na sua marcha louca e insensata para colocar mais gente no mundo e, em média, cada novo habitante vai aumentar o consumo per capita de água, alimentos, moradia, transporte, lazer, etc., o que eleva a Pegada Ecológica bem acima dos limites da Biocapacidade da Terra.

Reservar metade do Planeta para a natureza é uma forma de evitar o ecocídio e o suicídio civilizacional. O mundo precisa de algo como seis mil árvores para cada ser humano para evitar um aquecimento global catastrófico, manter a Terra habitável e garantir a sobrevivência da biodiversidade do Planeta.

*José Eustáquio Diniz Alves, possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (1980), mestrado em Economia (1983), doutorado em Demografia pelo CEDEPLAR-UFMG (1994) e pós-doutorado pelo Nepo/Unicamp.

Fonte: Eco Debate