Opinião

PL 5.544/2020, do Deputado Nilson Stainsack (SC), baseia-se no princípio de que matar animais é esporte saudável

*Dalce Ricas

Pelo PL, animais poderão ser mortos até dentro de parques e perseguidos por cães.

Projeto de Lei nº 5.544/2020, de autoria do Deputado Nilson Stainsack (SC), em tramitação no Congresso, prevê legalizar caça a animais silvestres no Brasil. Segundo ele, proibi-la não resolveu os problemas da ilegalidade, e que “a caça de caráter desportivo” tem intuito de resgatar o espírito da caça saudável e como principal objetivo gerar recursos para manutenção de habitats e espécies ameaçadas.

São afirmativas desprovidas de qualquer ligação com a realidade, mostrando que o parlamentar usa, cinicamente, a drástica situação ambiental no país para justificar suas intenções. Se legalizar algo cruel, violento e destrutivo como é a caça resolver o problema, podemos pensar em fazer o mesmo com assassinatos humanos ou tráfico de drogas. Outro objetivo do nada ilustre parlamentar é “resgatar o espírito da caça saudável”. Difícil entender porque ele considera saudável matar.

O art. 8º do PL prevê que os animais poderão ser mortos até em áreas públicas, ou seja, em parques e reservas ecológicas. Se não tivesse escrito eu não acreditaria. Se o PL for aprovado os animais não terão outra alternativa a não ser a morte para divertir os caçadores.

Alega que diversos países colhem benefícios da caça, citando Estados Unidos, Austrália e outros. A analogia é superficial e nada acrescenta. Primeiro, porque matar por prazer é inadmissível e além disto, a fauna brasileira, com raras exceções, originalmente é marcada por populações reduzidas das espécies, pois nosso território é florestal. Mesmo no Cerrado, um pouco mais aberto, não há populações abundantes.

EUA e Austrália têm características muito diferentes. Na maior parte dos estados brasileiros, -diversas espécies desapareceram ou estão a caminho. Como a onça pintada, anta, cachorro-do-mato-vinagre em Minas. Em todo o Estado não temos provavelmente mais que poucas dezenas de onças pintadas.

Nossa fauna está sendo dizimada pela destruição de habitats, fogo, envenenamento por agrotóxicos, tráfico e atropelamento. O que vai sobrar se matar tamanduás, onças, araras, papagaios, antas, lobos-guaras virar esporte? A liberação da caça é mais um ato de estímulo à violência. Ao invés de ensinar paz às crianças, ensinaremos violência e crueldade. Animais não são pedras. Têm filhos, sentimentos, sentem dor, medo e desespero, assim como humanos.

Vejam sua definição de caça: “…atos de perseguição, apanha e abate dos animais. A palavra “abate” é eufemismo para “morte”. Considerar normal perseguir um pobre animal, com cachorros é algo que remonta a pré-história da humanidade. Seu nefasto PL prevê utilização de cães, independentemente da raça, para auxílio da caça amadora de caráter desportivo. São poucos “espetáculos” que podem ser mais cruéis do que isto.

O argumento da disseminação do javali no país é seu ponto forte. Os danos causados pela espécie são realmente gravíssimos. Mas a questão não é tão simples. Primeiro é preciso lembrar que isto foi fruto da omissão do poder público que permitiu sua criação, não fiscalizou e o animal foi solto na natureza. O javali tem de ser combatido sim, mas por políticas públicas. Uma delas é fiscalizar e punir os “amáveis” caçadores que o disseminaram pelo país, visando garantir o argumento de que a caça tem de ser liberada.

O PL determina que “caberá ao órgão federal competente, no prazo de 180 dias, a publicação e atualização anual da relação das espécies, o período em que devem morrer; cota diária ou semanal de exemplares por caçador e que estas ações deverão ser precedidas de planos, programas e projetos de monitoramento da fauna silvestre, elaborados com base em estudos técnicos e científicos.

Novamente o parlamentar mostra seus escusos interesses ou ignorância. Primeiro, 180 dias nunca seriam suficientes para estudos de tal complexidade. A onça-pintada, por exemplo, procria somente a cada dois anos. Supondo que ele se refira ao Ibama, é ainda mais irreal a previsão. Sucateado e dominado por pessoas que são contra políticas ambientais, o órgão é apenas sombra do que já foi.

E finalmente, o PL é que deveria refletir parecer técnico de pesquisadores fundado em estudos da maior profundidade e audiências públicas. A fauna é legalmente propriedade do Estado e ele não pode entregá-la a uma minoria que são os caçadores.

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.