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Opinião

O que fazer depois do desastre de Petrópolis?

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* Tainá de Paula

Há diversas evidências de que eventos e desastres climáticos passarão cada vez mais a se tornar parte do nosso dia a dia, resultado do aquecimento global, do desmatamento e da ocupação desordenada dos territórios, afetando a agricultura, os ecossistemas naturais e reconfigurando nossa ocupação, resultando em um Brasil cada vez mais vulnerável aos extremos da variabilidade de clima.

O acordo assinado por mais de 200 países na COP 26 – Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas – resultou em um acordo para garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5C, a necessidade de redução global das emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, e de neutralidade de liberação de CO2 até 2050, resultando na agenda 2050 global.

Paralelo a isso, teríamos que contribuir localmente para a agenda, diminuindo os impactos das mudanças acumuladas ao longo dos séculos de desenvolvimentismo baseado em extrativismo e acumulação, além de estabelecer outras diretrizes de produção e relação com a ocupação do solo.

Crescimento das ocupações irregulares, ausência de planejamento e a negligência da agenda geral de país causarão cada vez mais ocorrências como Bahia, Franco da Rocha e Petrópolis, e os impactos deixarão cada vez mais pessoas expostas cotidianamente ao que parece ser o grande tema urbano do século 21. Ao contrário das pandemias, os impactos das mudanças climáticas são pouco previsíveis e pouco mitigáveis. A “vacina” virá de um conjunto de fatores que devem ser somados e implementados.

O estrago provocado pela negligência com o planejamento urbano e pelo padrão de ocupação das cidades brasileiras se escancara e assume proporções catastróficas em regiões de serra, como é o caso de Petrópolis. Apesar de um grande conjunto de planos e projetos urbanos, a cidade parte de um passado planejado, com ampla relação com seus rios e morros, mas uma dinâmica recorrente de negação de seus problemas ao longo da história.

Exclui os mais pobres de seu planejamento e restringe o acesso às áreas fora do mapa de risco, liberando para o mercado privado o valor de terra das áreas ocupáveis de fato. Resultado: quanto mais vulnerável o indivíduo, mais vulnerável será o território que o ocupa.

A falta de planejamento habitacional e a falta de enfrentamento ao aumento do valor da terra é algo imprescindível para os desafios de uma cidade média como Petrópolis. Impedir que os mais pobres habitem locais seguros é perpetuar os impactos dos desastres climáticos e institucionalizar a desigualdade.

Em tempos de nova agenda urbana, é importante reforçar a necessidade de políticas nacionais de acesso à moradia, como o Minha Casa Minha Vida, porém atrelados a subsídios de enfrentamento a projetos de drenagem e geotecnia, associando projetos de infraestrutura, numa espécie de PAC Minha Casa, Minha Vida 4.0. Afinal, um dos principais dificultadores de um projeto habitacional é o financiamento da terra urbanizada, ao mesmo tempo acessível aos mais pobres.

Não é tarefa fácil. O déficit habitacional de Petrópolis é em torno de 12 mil unidades. Imóveis inadequados beiram o número de 30 mil. Pensar uma agenda de hiper investimento público e que insira não apenas o Estado, mas a sociedade civil e setores privados é fundamental.

Fundos urbanos, impostos verdes e benefícios fiscais e tributários à iniciativa privada que se alinhem a uma agenda de resiliência urbana, são parte de uma estratégia de financiamento para além da cultura distributiva a fundo perdido que os desafios urbanos demandam cada vez mais. Os instrumentos urbanísticos precisam ganhar versão 4.0 e virar prioridade 01 de toda cidade que precisa ter capacidade de investimento em seus problemas locais.

Dito isto, associada à agenda de planejamento e investimento urbano, é preciso investir nas pessoas. A política de reparação, de memória da catástrofe e de resiliência da cidade precisam ser a chave para um novo ciclo urbano. Centros de Referência, de acolhimento e de debate precisam figurar em Petrópolis, para que a cidade se firme como uma das cidades do mundo exemplo da resiliência urbana e bem-viver.

É preciso cuidados públicos e coletivos para que as marcas do desastre passem e as construções possíveis consolidem uma cultura de cuidado entre os moradores. Chile, Tóquio e Los Angeles, cidades irmãs no combate aos desastres climáticos são hoje importantes pólos de pesquisa sobre terremotos, chuvas e incêndios, demonstrando um caminho importante que a cidade serrana deve seguir.

Por último, é preciso estimular projetos inovadores. Novas soluções de drenagem, de muros drenantes, de contenções e cortinas atirantadas. Uma cidade com mais rios, com nova organização urbana, com novas áreas de concentração, desadensada em algumas áreas e adensadas em outras. É preciso pensar a Petrópolis do amanhã e, para isso, é necessário convocar nossos planejadores ao debate: qual é a resposta que daremos à negligência histórica do Brasil à agenda ambiental e urbana? Os petropolitanos podem ter hoje as respostas que muitas outras cidades precisam. Em frente.

*Tainá de Paula é Vereadora eleita no RJ pelo Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras e Arquiteta e Urbanista.

Fonte: Uol.com