Opinião

A naturalização do crime ambiental

* Sandoval Alves Rocha

A floresta amazônica viveu em 2021 o seu pior ano em uma década. Esta é uma constatação do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a partir da evolução dos dados coletados ao longo do período.

Apenas em relação a 2020, ano em que o desmatamento na Amazônia já havia atingido a maior área desde 2012, com 8.096 km² de floresta destruídos, a devastação em 2021 foi de 29% maior. Isso equivale à metade do Estado do Sergipe (10.362 km² de mata nativa).

Este tipo de notícia desagradável já não é novidade ao longo dos últimos anos. Estas notícias são cada vez mais comuns, correndo o risco de serem aceitas como algo natural. Com a política antiambiental implantada pelo governo federal, tais tragédias têm sido sistematicamente repetidas durante os anos recentes.

A agressão ao meio ambiente é viabilizada por diferentes iniciativas: esmonte dos órgãos de fiscalização ambiental, incentivo ao garimpo ilegal e à grilagem em terras públicas e indígenas, retenção de recursos destinados à proteção ambiental, aprovação de leis prejudiciais ao meio ambiente e a neutralização do protagonismo da sociedade civil.

A última iniciativa é especialmente grave, pois representa um forte retrocesso na democracia brasileira, que vinha se consolidando desde a derrubada da Ditadura Militar.

A participação social é fundamental na democracia, pois possibilita que as populações definam as políticas públicas mais adequadas para o país, promovendo o engajamento social nas mais diversas questões: meio ambiente, saúde, educação, moradia, saneamento básico e direitos cidadãos.

Minar a atuação da sociedade civil implica agredir não somente ao meio ambiente, mas também a própria dignidade da pessoa. Felizmente, tais agressões cometidas pelo governo federal têm sido em parte freadas pelo Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional.

Mensuradas a partir de uma mentalidade colonialista proveniente de fora da região, as florestas dos estados amazônicos são destruídas com o apoio das elites locais. Segundo o Imazon, a maioria da destruição ocorreu nas florestas públicas federais e estaduais.

O Estado do Pará lidera com a maior área desmatada, mas evidenciou-se também que o Amazonas aumentou o desmatamento. A devastação registrada em solo amazonense passou de 1.395 km² em 2020 para 2.071 km² em 2021, uma alta de 49%.

A destruição também foi significativa no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga e na Mata Atlântica. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) demonstra preocupação em relação à preservação do Cerrado, pois o governo federal cortou recursos destinados a esta finalidade, abandonando o segundo maior bioma brasileiro. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o Cerrado perdeu 8,5 mil km², uma alta de 8% em relação ao período anterior.

As consequências da política de destruição ambiental afetam negativamente outras dimensões da sociedade como a economia, a saúde, o abastecimento de água, o equilíbrio ecossistêmico e a sustentabilidade da vida humana no campo e na cidade. Políticas com tais características constituem crimes de elevada gravidade.

A relevância de tais informações confirma a importância das eleições deste ano. Depois de um período marcado por tantas tragédias, o Brasil pode retomar posturas cidadãs e compromissos socioambientais ignorados nos tempos atuais.

*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.

Fonte: Amazonas Atual