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Opinião

Bioeconomia Indígena: um debate rumo ao futuro sustentável

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*André Baniwa

Proponho adicionarmos indígena à bioeconomia. Fica assim: bioeconomia indígena. Quando colocamos o sobrenome em determinado tema ou assunto é para falarmos da especificidade e da realidade diferenciada dos povos indígenas. É bom lembrarmos que os povos têm direito a especificidade e diferenciada política no Brasil desde a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Essa forma de lidarmos com as coisas demonstra que temos a habilidade de nos adaptarmos a qualquer realidade sem deixarmos de ser o que somos. Podemos aprender toda e qualquer coisa, mas jamais deixaremos de ser indígenas. Os nossos conhecimentos milenares sempre serão nossas bases de adequação.

Esse assunto da bioeconomia é muito importante porque no período de 18 a 20 de outubro vai acontecer o Fórum Mundial de Bioeconomia na cidade de Belém, no Pará. O evento vai reunir palestrantes e especialistas de todo o mundo para que a cidade seja palco deste debate essencial para o desenvolvimento sustentável. A agenda é composta por quatro eixos temáticos, que serão abordados durante o evento:

(1) A Bioeconomia: Pessoas, Políticas do Planeta;

(2) Líderes globais e o mundo financeiro;

(3) Bioprodutos ao nosso redor, e;

(4) Olhando para o futuro.

Podemos ver que esse assunto vem sendo tratado mais constantemente desde o ano de 2011 no Brasil, sendo discutido como alternativa no contexto de mudanças climáticas e como fundamental para desenvolvimento sustentável junto à biotecnologia.

Mas antes disso precisamos entender bem o que é Bioeconomia. A bioeconomia surge como resultado de uma revolução de inovações aplicadas no campo das ciências biológicas. Estuda os sistemas biológicos e recursos naturais aliados à utilização de novas tecnologias com propósitos de criar produtos e serviços mais sustentáveis e diversos. Envolve, por isso, vários segmentos industriais como as indústrias de processamento e serviços e relaciona-se ao desenvolvimento e à produção de fármacos, vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais e animais, bioplásticos e materiais compósitos, biocombustíveis, produtos químicos de base biológica, cosméticos, alimentos e fibras.

Quando se trata da Amazônia, essa nova economia tende a levar ao cultivo dos recursos naturais no lugar de sua extração, aplicando-os à produção de medicamentos, combustíveis, insumos agrícolas e outros materiais usados na indústria.

Carlos Nobre, pesquisador aposentado do INPE e atual pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, é um dos que têm se dedicado à causa com o conceito de Amazônia 4.0, defendendo a transformação da floresta em um polo de tecnologia que fomente o empreendedorismo sustentável.

Ou seja, uma bioeconomia baseada na valorização da rica biodiversidade amazônica, que leve ao desenvolvimento de uma industrialização a partir da biodiversidade, com sistemas agroflorestais, restauração de áreas desmatadas e cultivo de espécies valorizadas economicamente. Manter a floresta em pé e associar tudo isso a indústrias locais para agregar valor.

O Brasil é detentor de cerca de 20% da biodiversidade do planeta, a maior do mundo, o que deve ser visto como um ativo econômico com muitas oportunidades de negócios.

Mas quem mora milenarmente nesta terra e na Amazônia? Quem conhece há milênios a biodiversidade? Segundo a pesquisa do INPA junto a comunidade Baniwa, apesar da colonização, desvalorização de sua cultura e de seus conhecimentos ancestrais, os Baniwa ainda conhecem 80% da biodiversidade. Portanto, os povos indígenas têm autos e avançados conhecimentos associado à biodiversidade.

Isso não seria suficiente razão para incluir os povos indígena na agenda discussão e construção de agendas oficiais da bioeconomia? O que leva a sociedade, órgãos internacionais, órgãos de estados e governos não incluírem os povos indígenas neste assunto?

Sabemos que os direitos indígenas tanto global quanto nacionalmente só são conquistados por pressão. Por que? Neste caso específico tanto a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) ratificada pelo Decreto Federal nº 2.519 de 16 de março de 1998 e a lei da biodiversidade no Brasil (Lei 13.123, de 20 de maio de 2015) que além de prever a proteção de conhecimentos tradicionais, traz também consentimento prévio e informado e repartição de benefício.

Se a gente olhar, o Brasil não costuma consultar, não costuma informar, não costuma proteger. Se não faz essas coisas fundamentais, imagina se tem algum sentimento de repartir? Será que não faz isso exatamente por que o costume é o de não querer repartir? Esse costume de destruir ainda não parou. Por isso só dialogam entre si, mas não dialogam com quem tem direitos e conhecimentos associados à biodiversidade.

O Brasil ainda não é pensado por brasileiros, mesmo os que se dizem que são, mas seus olhares nunca deixaram ainda de serem aproveitadores, seus comportamentos são de estranhos. Porque quando pensarem como brasileiros de fato e de verdade começarão a mudar seus pensamentos e se preocuparão com a sustentabilidade do país e da sua biodiversidade.

Os povos indígenas estão organizados no Brasil de acordo com artigo 232 da Constituição Federal de 88 (Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses…). Hoje temos, além de indivíduos que são mais de 800 mil e suas comunidades, as organizações locais, sub-regionais, regionais, estaduais e nacionais.

Esse dado de organização dos povos indígenas que denuncia quando não são consultados, quando não são informados previamente sobre o que afeta direta e indiretamente suas vidas. Aos povos indígenas são lhes negados os direitos no Brasil.

Mas os povos indígenas, junto a seus aliados e parceiros, apesar disso, continuam lutando, desenvolvendo suas experiências de alternativas econômicas, gerando renda nas suas comunidades. Pois hoje é uma necessidade fundamental.

Mesmo que sejam pequenas, estas experiências são inspiradoras quando se trata de desenvolvimento sustentável. Mas são grandes potenciais quando se preocupam com o futuro, quando se preocupam com a repartição. A repartição de benefícios só é possível quando o objetivo e meta não são de acumular riqueza para um indivíduo, mas de compartilhar, quando o objetivo e meta é a felicidade e o bem viver.

Tem sentido acumular riqueza se o resultado é o fim dos seres vivos e inclusive o próprio homem? Se a bioeconomia é uma alternativa para desenvolvimento sustentável deve incluir a participação dos povos indígenas na agenda oficial.

*André Baniwa é Vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), empreendedor social, escritor, consultor e liderança do povo Baniwa desde de 1992.

Fonte: UOL