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Opinião

Desastres ambientais cada vez mais frequentes e caros

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*José Eustáquio Diniz Alves

O contínuo crescimento da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica ultrapassou a Biocapacidade do Planeta, gerando um déficit ambiental crescente.

A humanidade tem aumentado o seu padrão de consumo nos últimos 200 anos e apresentado grandes melhorias na redução das taxas de mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, elevação das taxas de escolaridade, avanços no padrão de moradias, etc. Contudo, o enriquecimento humano ocorreu às custas do empobrecimento ambiental. Este caminho é insustentável, pois sem uma ecologia saudável não pode haver economia sadia e próspera, já que a humanosfera é um subsistema da ecosfera.

Como mostrou Ulrich Beck, no livro Sociedade de Riscos, as primeiras fases do capitalismo foram marcadas por uma disputa pelo excedente da produção econômica entre o capital e o trabalho, o primeiro buscando aumentar os lucros e o segundo buscando aumentar os salários. Havia um conflito distributivo, mas o ambiente era de prosperidade global.

Porém, o contínuo crescimento da população e da economia fez a humanidade ultrapassar a capacidade de carga da Terra e a Pegada Ecológica ultrapassou a Biocapacidade do Planeta, gerando um déficit ambiental crescente. Para enriquecer as sociedades o modelo hegemônico de produção e consumo extrai grande quantidade de recursos naturais, processa estes recursos com a utilização da energia proveniente dos combustíveis fósseis e descarta o lixo e os resíduos no meio ambiente e emite enormes montantes de gases de efeito estufa na atmosfera. Desta forma, a realidade mudou, os danos ambientais passam a se sobrepor sobre a distribuição de ganhos, com o mundo entrando na Era dos riscos onde: “o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças” (Beck, 2010).

Assim o mundo caminha para o “desenvolvimento deseconômico”, época em que os custos da produção econômica começam a superar os benefícios gerados pela produção de bens e serviços, como mostrou o economista ecológico Herman Daly. Por conseguinte, os desastres naturais assumem proporções catastróficas e a pandemia da covid-19 é apenas um aspecto da questão.

Como mostrei no artigo “Aumenta o custo humano dos desastres ambientais e climáticos” (Alves, 20/11/2020), o relatório “The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019)” da UNDRR (United Nations Office for Disaster Risk Reduction) publicado no dia 13/10/2020 para marcar o Dia Internacional para Redução do Risco de Desastres, confirmou que os eventos climáticos extremos passaram a dominar a paisagem de desastres no século 21.

No período de 2000 a 2019, ocorreram 7.348 grandes eventos de desastres registrados, ceifando 1,23 milhão de vidas, afetando 4,2 bilhões de pessoas (muitos em mais de uma ocasião), resultando em aproximadamente US$ 2,97 trilhões em perdas econômicas globais. Este é um aumento acentuado em relação aos vinte anos anteriores. Entre 1980 e 1999, 4.212 desastres foram associados a desastres naturais em todo o mundo, ceifando aproximadamente 1,19 milhão de vidas e afetando 3,25 bilhões de pessoas, resultando em aproximadamente US $ 1,63 trilhão em perdas econômicas.

Agora em outubro de 2021, o site Climate Central, Usando dados da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos EUA, identificou um aumento acentuado na frequência de desastres climáticos e meteorológicos de eventos com custos acima de bilhões de dólares nos EUA desde 1980. O tempo médio entre desastres de bilhões de dólares – tempo para ajudar as comunidades em todo o país a se recuperar – caiu de 82 dias na década de 1980 para apenas 18 dias em média nos últimos cinco anos (2016-2020).

O número de desastres climáticos e meteorológicos de bilhões de dólares (incluindo ciclones tropicais, incêndios florestais, ondas de calor, secas, inundações e tempestades severas) que atingem os EUA a cada ano tem aumentado – de uma média de 3 eventos por ano nos anos 1980 a 12 eventos por ano na década de 2010. No ano passado, houve um recorde de desastres climáticos e ambientais de 22 bilhões de dólares nos EUA, custando US$ 99 bilhões em danos (em termos reais), de acordo com a NOAA. Só nos últimos cinco anos representam quase um terço (31,8%) dos US$ 1,98 trilhão em custos totais de desastres de bilhões de dólares em todo o país desde 1980.

Esses números assustadores refletem principalmente os impactos diretos sobre os ativos (incluindo danos a casas, plantações e infraestrutura crítica) e, portanto, não refletem o número total de desastres – incluindo saúde e bem-estar humanos, deslocamento, abastecimento de alimentos e água, bem como perda de patrimônio cultural, biodiversidade e habitats. Nem esses números transmitem os impactos desproporcionais dos desastres sobre as pessoas que vivem na pobreza ou a necessidade de alocação equitativa da assistência federal a desastres de acordo com a vulnerabilidade social.

Tudo isto vai se agravar com o aquecimento global. A concentração de CO2 na atmosfera variava em níveis abaixo de 280 partes por milhão (ppm) durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). A concentração de CO2 na atmosfera chegou a 300 ppm em 1920, atingiu 310 ppm em 1950, 350 ppm em 1987, 400 ppm em 2015 e chegou a 418,3 ppm em 01/06/2020.

As emissões globais de CO2 que estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 37 bilhões de toneladas em 2019. Segundo o Acordo de Paris, aprovado em 2015 na ONU, existe a necessidade de reduzir imediatamente as emissões globais e chegar à emissão zero até 2050, para manter o aquecimento global abaixo de 1,5º C.

Os últimos 8 anos (2014-21) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica, conforme mostra o gráfico abaixo. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois, além do degelo, amplas áreas da Terra estão ficando inóspitas ou inabitáveis.

Um estudo publicado na revista Scientific Reports (12/11/2020), alerta para o fato de que, hipoteticamente falando, poderíamos “já estar além de um ponto sem volta para o aquecimento global”. Usando um modelo matemático simples, os autores simulam o que aconteceria em um mundo hipotético onde as emissões de gases de efeito estufa fossem interrompidas em 2020. Eles consideram que, nas simulações, o mundo continua a aquecer por centenas de anos como resultado de ciclos de feedback positivo como o degelo do permafrost.

Estes resultados devem servir de alerta para a COP26, no sentido de acelerar a descarbonização da economia e reduzir o desmatamento global. É cada vez maior o número de pessoas que percebem a insustentabilidade do modelo de produção e consumo do mundo. Por conta disto, cresce a percentagem de pessoas (especialmente jovens) com ansiedade climática e ambiental. A chamada “eco-ansiedade” é uma doença que ameaça a saúde mental no século XXI.

Como disse Greta Thunberg em atividade preparatória para a COP26, inconformada com a inatividade da governança global: “Isso é tudo o que ouvimos por parte dos nossos líderes: palavras. Palavras que soam bem, mas que não provocaram ação alguma. Nossas esperanças e sonhos se afogam em suas palavras de promessas vazias. Não existe um planeta B, não existe um planeta blá-blá-blá, economia verde blá-blá-blá, neutralidade do carbono para 2050 blá-blá-blá”. Ela completou: “30 anos de blá-blá-blá dos líderes mundiais e sua traição com as gerações atuais e futuras”. Ou o mundo muda, ou os desastres climáticos e ambientais vão deixar a Terra cada vez mais inóspita e inabitável.

*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia.

Fonte: EcoDebate