Opinião

A água e o futuro do Brasil

*Rodolfo Coelho Prates

A ideia de que a água nunca se esgotaria acompanhou a ocupação do território brasileiro, a conversão de espaços naturais em áreas de produção agropecuária.

É indiscutível a importância da água para todas as manifestações de vida, assim como para a sociedade e para a economia. O Brasil, que sempre teve uma das melhores condições hídricas do planeta, está se tornando um país árido. Essa aridez, cada vez mais severa, já está trazendo inúmeras dificuldades e prejuízos a vários setores e regiões. Está em curso uma trajetória que poderá inviabilizar por completo a forma de organização social contemporânea e futura – ou seja, o nosso bem-estar e o bem-estar das próximas gerações.

Adam Smith, considerado o pai da economia, foi um dos formuladores da ideia de bem-estar, que estava associada à riqueza de uma nação. Smith também contribuiu para a teoria do valor e, visando tornar a ideia inteligível, formulou o que se conhece como “paradoxo da água e do diamante”. O autor perguntava a razão de o diamante ser mais valioso se a água é muito mais útil. A explicação dada por Smith consiste no fato de que o diamante era escasso, enquanto a água era abundante.

De fato, com exceção de algumas regiões, a água, em razão de sua abundância, nunca foi vista como um elemento precioso. No Brasil, excluindo o sertão do Nordeste, as demais regiões, até pouco tempo atrás, nunca haviam se defrontado com problemas persistentes de escassez ou seca. A água, nesses locais, sempre foi considerada abundante. Havia, ainda, a ideia de que ela nunca se esgotaria, com renovação a cada chuva, como um presente dos céus. Essa ideia acompanhou a ocupação do território brasileiro, a conversão de espaços naturais em áreas de produção agropecuária, a formação e o crescimento das cidades, a geração de energia e a industrialização, por exemplo.

Atualmente, contudo, o quadro é amedrontador, e há vários fatores que contribuem para essa situação. Para enumerar alguns, deve-se ressaltar, primeiramente, a existência de uma mentalidade no Brasil de que todo recurso deve ser explorado a qualquer custo, a despeito dos custos ambientais. O agente que explora o recurso incorpora os ga- nhos, mas é a coletividade que arcará com os prejuízos. O segundo fator é o desrespeito, com poucas exceções, às leis ambientais, pois elas sempre têm sido vistas como sandices para atrasar o tal crescimento econômico. O terceiro envolve desprezar e desmerecer o alerta da comunidade científica, que já vem avisando há anos sobre o agravamento dos problemas ambientais. Em quarto lugar, temos um governo completamente obtuso à temática ambiental.

O caso do Brasil, convém salientar, é duplamente complexo, pois além de compartilhar com os demais países a crise global do clima, ainda se defronta com uma questão interna, que é o avanço desenfreado do desmatamento da floresta amazônica, cuja consequência é a interrupção dos chamados rios voadores e o desequilíbrio de outros biomas, como Pantanal, cerrado e mata atlântica. Esses rios voadores são correntes de umidade vindas da Amazônia que garantem mais de 60% das chuvas das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A grande questão é que essas correntes de umidade necessitam da floresta, mas o desmatamento cessa esse fluxo. Problemas de racionamento de água para a população, usinas hidrelétricas com risco de paralisação e perdas na produção agropecuária são alguns dos exemplos mais imediatos da interrupção dos rios voadores gerada pelo avanço do desmatamento.

É cognoscível que o avanço do desmatamento na região amazônica está inviabilizando o resto do país em muitas atividades, inclusive em relação à própria produção agropecuária. Da mesma forma como desde a década de 1990 está em curso no país a desindustrialização, corre-se o risco de haver uma “desagropecuarização”, ou seja, a inviabilização da atividade agropecuária por conta de falta de condições ambientais.

Nesse cenário, é urgente o empenho de toda a sociedade para interromper o desmatamento e tomar as medidas necessárias para restabelecer as funções ambientais da natureza. Preservar a Amazônia não é apenas algo que se finda na própria Região Norte ou que ocorre para agradar a algum país estrangeiro: é necessário para assegurar a viabilidade e as condições fundamentais para que o Brasil continue a trilhar o caminho do desenvolvimento e da melhora do bem-estar da população. Mas as ações devem se estender em todo o território nacional, por meio da combinação de políticas federal, estadual e municipal. Caso contrário, em breve estaremos trocando diamantes por um pouco de água.

*Rodolfo Coelho Prates é Doutor em economia e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Fonte: Estado de Minas