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Opinião

O que esperar do Brasil em Glasgow para a conservação das florestas

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*Miguel Milano e Fábio Olmos

A adoção de políticas de neutralidade de emissões de gases de efeito estufa tem feito com que a demanda do setor privado por créditos de carbono cresça fortemente.

O desmatamento é um problema sério, e sua conta de luz mais cara é só parte das consequências dessa prática insana, mas parte da solução para conservar as florestas do país é simples. O caminho passa por fazer com que elas valham mais em pé do que derrubadas para dar lugar à produção de commodities baratas, pesadamente subsidiadas. O caminho envolve os governos, pois depende de políticas públicas consistentes, mas depende acima de tudo da iniciativa privada, detentora de recursos financeiros e da capacidade operacional para “fazer acontecer” que governos não têm.

A produção e comercialização de créditos de carbono oriundos da conservação das nossas florestas é das partes mais importantes da solução, mas depende da seriedade e consistência dos processos envolvidos e regras claras estáveis. A COP (Conferência das Partes da Convenção do Clima) de Glasgow é uma grande oportunidade do momento.

Os serviços ambientais ou ecossistêmicos já não são mais gratuitos

Sociedades humanas, incluindo a nossa, se acostumaram a receber da natureza um sem fim de serviços gratuitos como chuvas previsíveis e rios caudalosos, cultivos agrícolas produtivos graças a insetos (responsáveis pela polinização de 50% da produção mundial de alimentos) e a estabilidade climática. Mas o crescimento populacional e as demandas por bem-estar humano mudaram o jogo e hoje deve-se pagar pelo que era gratuito.

O sistema de abastecimento de água de Nova Iorque, já com cerca de duas décadas, é um exemplo. Ao invés de gastar bilhões na construção de reservatórios e tratamento de água, a cidade paga os proprietários de terras a montante das fontes para proteger os mananciais – opção mais barata, permanente e mais justa socialmente. Este, apenas um entre muitos exemplos, como são também o aluguel de colmeias para polinização de fruteiras ou os bancos de biodiversidade.

Há uma demanda mundial crescente por créditos de carbono

A adoção de políticas de neutralidade de emissões de gases de efeito estufa tem feito com que a demanda do setor privado por créditos de carbono cresça fortemente. Boa parte da demanda é por créditos gerados por projetos de proteção/restauração de florestas auditados de forma independente, e deve crescer ainda mais no futuro próximo conforme mais empresas implementam políticas de ESG utilizando soluções baseadas na natureza.

A Força Tarefa para Ampliar os Mercados Voluntários de Carbono (Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets – TSVCM), um mix de empresas, academia e ONGs, está desenvolvendo critérios para orientar corporações que buscam comprar créditos de carbono de alta qualidade com o objetivo de aumentar o mercado em 15 vezes até 2030. A TSVCM, iniciativa liderada pelo setor privado, informa que, em 2020, a demanda do mercado voluntário por créditos de carbono foi superior a 88 milhões de toneladas de CO2e, mas deve crescer a pelo menos duas gigatoneladas de CO2 e por ano em 2030.

Para que isto seja possível e os investimentos cheguem às áreas capazes de produzir esses créditos é preciso encorajar o aporte de recursos pelo setor privado, pois a experiência prova que nem os governos e nem as ONGs são capazes de fazer isso acontecer, quer pela falta de capital como pela forma de agir.

A complexidade da situação

Quando se trata da proteção das florestas tropicais financiada pelo mercado há uma paisagem cada vez mais complexa de modelos, requisitos e padrões. Mas o modelo mais bem sucedido até aqui, de longe, é o baseado em projetos focados em áreas definidas (como uma unidade de conservação, uma área privada ou uma concessão pública) que podem ser verificados em relação a padrões independentes pré-determinados, como o Verified Carbon Standard (VCS), uma organização sem fins lucrativos baseada em Washington.

O VCS é o maior programa voluntário de redução de gases de efeito estufa do mundo, com cerca de 1.700 projetos certificados que já reduziram ou removeram mais de 630 milhões de toneladas de CO2e da atmosfera. O VCS, como todo processo de certificação auditada por terceira parte, é um trabalho em andamento e as metodologias e procedimentos de auditoria, buscando melhorias contínuas, estão em constante aprimoramento em questões como linhas de base e a comprovação da propriedade da terra, um problema gigantesco no Brasil, onde a grilagem de terras públicas é uma tradição. Mas se anda para frente!

Estes projetos podem ser desenvolvidos através de iniciativas do setor privado, trabalhando em conjunto com comunidades locais, ONGs e governos, sempre operados por equipes locais que respondam às necessidades particulares das florestas a proteger e das comunidades envolvidas a beneficiar. Ao gerar créditos de carbono para venda no mercado voluntário, projetos desta natureza canalizam finanças para seus próprios programas ambientais e sociais sem necessidade de recursos governamentais (ou seja, do contribuinte) com enormes benefícios diretos para as comunidades, as regiões em que se inserem e o planeta.

Este modelo permite atrair investimentos privados significativos, especialmente recursos diretos que geram empregos locais e alimentam economias regionais. Governos também podem se beneficiar através de mecanismos de partição de benefícios, enquanto economias locais aquecidas também geram mais arrecadação. Onde existem, os projetos financiam atividades como proteção, restauração florestal e agroflorestas, educação, monitoramento ambiental e microcrédito, em geral dependentes de orçamentos públicos para os quais há poucos recursos e muita interferência política. São, assim, uma solução para problemas crônicos como a falta de financiamento para as unidades de conservação que hoje são “parques de papel”, e áreas manejadas por comunidades tradicionais com pouco acesso a investimentos.

Mais importante: como devem durar pelo menos 25-30 anos para fins de permanência do carbono dos créditos gerados, os projetos significam um compromisso de investimentos no longo prazo – outro ponto que governos não conseguem fazer.

Estes são exemplos onde os interesses do setor privado, comunidades e governos estão alinhados, já que compartilham o sucesso de projetos com boa performance. Diga-se de passagem que sem performance não há geração de créditos que possam ser vendidos, o que torna a entrega de resultados (ao invés de desculpas) algo intrínseco ao modelo.

Projetos de carbono florestal podem focar desde áreas relativamente pequenas a paisagens de vários milhões de hectares e, tipicamente, são obrigados a demonstrar benefícios tanto para a biodiversidade como para comunidades locais para obter as certificações que permitirão vender os créditos de carbono gerados. Se não há entrega, não há ganho. Estes atributos em particular são auditados de forma independente por standards como o Climate, Community and Biodiversity (CCB), desenvolvido de forma inclusiva por uma parceria entre a CARE, Conservation International, The Nature Conservancy, a Rainforest Alliance e Wildlife Conservation Society. A certificação CCB adiciona uma camada adicional à acreditação de projetos de carbono florestal, e garante que comunidades sejam incorporadas na tomada de decisões, protegidas por salvaguardas e, acima de tudo, diretamente beneficiadas. O princípio do consentimento livre, prévio e informado sempre deve ser respeitado(!) ou os projetos perdem pelo menos parte da razão de existir.

O Brasil na COP

No Brasil, onde já temos uma associação de desenvolvedores de projetos, a Aliança Brasil NBS (Nature Based Solutions), com mais de uma dúzia de protagonistas, e crescendo, há um significativo número de projetos de carbono florestal em desenvolvimento, com efeitos positivos para as comunidades, as unidades de conservação e os proprietários privados.

Deve-se deixar transparente que o ambiente no qual esses projetos se inserem foi favorecido pelo recente reconhecimento do mercado voluntário de carbono pelo governo federal, pela remoção de restrições antes existentes embutidas no decreto que criou a CONAREDD (Comissão Nacional do REDD) e pelo estabelecimento do programa Floresta+ Carbono, ações lideradas pelo então Secretário da Amazônia e dos Serviços Ambientais do MMA, Joaquim Pereira Leite, hoje ministro.

Desenvolvedores de projetos trabalham hoje em iniciativas em áreas privadas e públicas e há a perspectiva de que, se o governo não perder o timing e ampliar as possibilidades, os mercados de carbono irão responder por parcela importante da renda gerada por unidades de conservação e florestas públicas, além de terras indígenas e comunitárias (como assentamentos extrativistas e áreas quilombolas) se questões relativas à seguridade de projetos nessas áreas forem resolvidas. Há aí um papel para bancos de fomento, como o BNDES, que tem conhecido in loco iniciativas consideradas modelo.

Para o bem ou para o mal, o maior ativo geopolítico do Brasil é a Amazônia e sua influência no clima e biodiversidade do planeta, já que outros países podem também produzir soja e carne baratas, mas não estabilidade climática. Assim, mais uma vez, o governo brasileiro terá papel importante em Glasgow, podendo decidir, pelas posições que tomar, o destino das florestas tropicais do planeta. Em COPs anteriores a posição brasileira, contrária a mercados, retardou avanços. Dessa vez espera-se uma posição ancorada no século 21 e que a experiência e história de protagonismo, que mesmo abaladas recentemente, sejam restauradas, com vantagens para o país.

Ações recentes de governo sugerem que o ministro tem antecedentes na conservação de florestas via mercado que lhe serão úteis na COP. Espera-se que ele as use de forma propositiva para o estabelecimento de um mercado de créditos de carbono que efetivamente traga benefícios ao país. Mas também que ele saiba impor os limites necessários a iniciativas de caráter, no mínimo, duvidosas, como o LEAF – ART Trees.

O caso LEAF – ART Trees e as dúvidas que pairam

Uma alternativa à abordagem baseada no desenvolvimento de projetos locais que está ganhando tração é a abordagem jurisdicional, que espera manejar as emissões resultantes da destruição de florestas a nível nacional ou, no interim, subnacional. Países com florestas tropicais estão sendo estimulados a adotar uma estratégia jurisdicional exclusiva e não testada para combater o desmatamento como parte da promessa de financiamentos através da Coalizão Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance (LEAF) Coalition.

Todos os esforços para ajudar países tropicais a proteger suas florestas devem ser considerados seriamente. No entanto, ao impor um modelo que impede o desenvolvimento de projetos de conservação e restauração de florestas pelo setor privado, a Coalizão LEAF e o sistema no qual se baseia, ART TREES, desestimulam investimentos necessários, limitam a governança local e podem nem mesmo atacar a fonte das emissões resultantes da destruição das florestas tropicais.

Alguns pontos críticos da iniciativa LEAF – ART Trees são a submissão dos projetos ao controle e comercialização estatal (como o antigo IBC, Instituto Brasileiro do Café, que centralizava via governo o comércio dessa commodity nos anos 50-60 até início dos 70 do século passado); os pagamentos por performance apenas após os resultados, sem adiantamentos de recursos para a implementação das políticas públicas necessárias (com governos nacionais e subnacionais sem orçamentos para isso); a inexistência de antecedentes de aplicação prática da certificação ART Trees, além de vários defeitos do modelo; e a não utilização do modelo jurisdicional pelos próprios países proponentes (estranho, não?).

A Indonésia, por exemplo, já rejeitou formalmente aderir ao programa. Vale a pena entender os motivos. De nosso lado, vale pensar também no que poderia dar errado com uma estatal do carbono, como acontece com todas.

*Miguel Milano e Fabio Olmos são diretores da Permian Global para o Brasil.

Fonte: O Eco