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Opinião

A emergência climática, as novas gerações e a Greve Climática Global

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*José Eustáquio Diniz Alves

Metade das crianças e adolescentes do mundo (1 bilhão de pessoas) está extremamente exposta aos impactos da crise climática e as novas gerações serão, proporcionalmente, as mais penalizadas pelas mudanças climáticas, segundo relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no dia 20 de agosto de 2021.

A Divisão de População da ONU estima que haja 2,23 bilhões de crianças e adolescentes de 0 a 16 anos e 2,48 bilhões de 0 a 18 anos, em 2020, sendo que a Unicef estima que cerca de 1 bilhão de crianças e adolescentes estão altamente exposta à escassez de água e a níveis extremamente altos de poluição do ar. A apresentação do relatório foi feita pela ativista Greta Thunberg.

Em conformidade com um último relatório do IPCC, o documento mostra que estamos cruzando os principais limites do sistema natural da Terra, incluindo a mudança climática, perda de biodiversidade e aumentando os níveis de poluição no ar, solo, água e oceanos.

Os perigos do clima e do meio ambiente, choques e estresses já estão causando impactos devastadores no bem-estar das crianças ao redor do mundo.

Na medida em que esses limites são violados, o delicado equilíbrio natural, o qual a civilização humana dependeu para crescer e prosperar, também é afetado. As crianças do mundo não podem mais contar com essas condições e devem fazer seu caminho em um mundo que se tornará demasiado perigoso e incerto nos próximos anos e décadas.

Utilizando dados geográficos de alta resolução, o relatório da Unicef apresenta novas evidências globais de quantas crianças estão atualmente expostas a uma variedade de perigos climáticos e ambientais, choques e estresses, conforme mostra o gráfico abaixo.

Por exemplo, o relatório lista os eventos de início repentino e moderadamente repentino que vão afetar as jovens gerações:

  • 820 milhões de crianças (mais de um terço do total de crianças no mundo) estão atualmente expostas às ondas de calor. É provável que a situação se agrave, na medida em que a temperatura média da Terra aumenta e padrões climáticos se tornam mais erráticos. O ano de 2020 ficou empatado como o ano mais quente já registrado.
  • 400 milhões de crianças (aproximadamente 1 a cada 6 crianças no mundo) estão atualmente expostas aos ciclones. É provável que a situação se agrave, na medida em que ciclones de alta intensidade (isto é, Categorias 4 e 5) aumentaram em frequência, aumentando a intensidade de precipitações, e que faz com que os padrões de ciclone mudem.
  • 330 milhões de crianças (1 a cada 7 crianças no mundo) estão atualmente altamente expostas à inundações fluviais. É provável que a situação se agrave, na medida em que as geleiras derretem e as precipitações aumentam, devido ao alto teor de água na atmosfera, que é resultado de maiores temperaturas médias.
  • 240 milhões de crianças (1 a cada 10 crianças no mundo) estão atualmente altamente expostas à inundações costeiras. É provável que a situação se agrave, ao passo que os níveis do mar continuam aumentando, com os efeitos consideravelmente ampliados quando combinados com tempestades.

No artigo “92% da população mundial de 2100 ainda não nasceu” (ALVES, 04/10/2019) mostrei que: “Somente 0,2% dos adultos de hoje, que nasceram no século XX, devem estar vivos em 2100 e apenas 8% da população de 2100 será composta pelos jovens de 0 a 19 anos atuais. Portanto, as consequências mais drásticas da crise climática e ambiental serão sentidas, em menor grau, pelas crianças e adolescentes atuais e, em maior grau, pelas gerações futuras que ainda nem nasceram”. Os adultos e idosos atuais estão deixando uma lamentável herança maldita para as gerações futuras.

Ou seja, a maioria dos adultos de hoje não estarão vivos em 2100 e nem vão vivenciar os maiores danos da emergência climática. O impacto da crise climática e ambiental atingirá essencialmente as crianças e adolescentes atuais e, principalmente, as novas gerações que ainda vão nascer. Desta forma, os jovens estão indo para as ruas para lutar contra a possibilidade de um colapso ecológico.

Recentemente a juventude foi para as ruas para protestar contra a situação atual. Neste sentido, vale a pena ver a convocação da Greve climática global em 24 de setembro de 2021:

“Devemos agir agora para conter a crise climática, a extinção global de espécies e para poder cumprir o limite de 1,5 graus estabelecido pelo Acordo de Paris. Quem desejar obter nosso voto nas próximas eleições deve proteger a liberdade das gerações futuras. Deverá entender que oferecer uma solução para a crise climática é uma grande oportunidade de tornar nossa sociedade mais moderna, mais democrática e mais justa, com a criação de milhões de bons empregos e a oferta de uma vida melhor para todos. Solicitamos ao futuro governo que:

  • Abandone o carvão o mais tardar em 2030, e garanta que as populações afetadas por projetos de mineração de carvão não percam suas casas
  • expanda as energias renováveis ​​para pelo menos 80% do consumo bruto de eletricidade até 2030, de uma forma que a geração de energia seja cada vez mais ambiental e socialmente aceitável. O novo governo deve investir em eficiência em alternativas ao gás natural, como o hidrogênio verde.
  • invista mais em transportes públicos locais e amplie a infraestrutura de bicicletas, interrompendo todos os novos projetos de rodovias. Também deverá banir a venda de automóveis movidos a motores de combustão interna. Nossa proposta é a eliminação gradual desses veículos antes de 2030.
  • esteja comprometido com o clima e uma agricultura ecologicamente correta com preços justos para os produtores, bem com uma pecuária ecologicamente responsável. Deve também vincular os subsídios agrícolas predominantemente a prestação de serviços ecológicos.
  • que promova uma transformação socioecológica da economia através de investimentos em tecnologias e processos econômicos climaticamente amigáveis, em vez de continuar a subsidiar ramos da economia que causam danos ao clima.
  • garanta bons salários e crie um estado de bem-estar solidário para que a eletricidade, a habitação, a alimentação e a mobilidade sejam amigas do clima e ao mesmo tempo acessíveis a todos.
  • Defenda a justiça climática no Sul Global e que pelo menos dobre o financiamento climático até 2025.
  • que rejeite acordos multilaterais prejudiciais ao clima”.

A Greve Climática tem números catastróficos para mostrar. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou relatório no dia 31 de agosto mostrando que o número de desastres – como inundações e ondas de calor, causados pela mudança climática – aumentou cinco vezes nos últimos 50 anos, matando mais de 2 milhões de pessoas e custando US$ 3,64 trilhões em perdas totais. Ainda de acordo com a OMM, aconteceu em média um desastre vinculado ao clima a cada dia dos últimos 50 anos, provocando o equivalente à morte de 115 pessoas e perdas materiais de US$ 202 milhões por dia. A tendência é que isto piore nos próximos 50 anos e serão os jovens atuais e as novas gerações serão os mais impactados pela crise climática e ambiental.

*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia.

Fonte: EcoDebate