Opinião

Parque Estadual dos Três Picos: Refúgio para anfíbios na Mata Atlântica

*Por Carla da Costa Siqueira, Davor Vrcibradic e Carlos Frederico Duarte Rocha

Os anfíbios constituem um grupo de vertebrados fascinante por sua elevada biodiversidade no planeta e suas particularidades ecológicas, mas, ao mesmo tempo, são extremamente vulneráveis. Eles surgiram há mais de 350 milhões de anos, mas estão perdendo a luta pela permanência na Terra. Nas últimas décadas, vem ocorrendo um preocupante declínio do número de espécies e de populações de anfíbios, o que tem sido chamado pelos cientistas de “Declínio Global de Anfíbios”. Atualmente, cerca de 40% das espécies conhecidas de anfíbios são consideradas ameaçadas de extinção no planeta.

Os principais fatores responsáveis por este declínio são a perda e a fragmentação de habitats, as mudanças climáticas, a poluição ambiental, as doenças, como a quitridiomicose, dentre outros. Estes efeitos da destruição ambiental são potencializados no caso dos anfíbios por possuírem a pele permeável, que permite a troca de gases (respiração cutânea), mas que, por outro lado, facilita a dessecação e a contaminação por doenças e poluentes.

O Brasil é o país que possui a maior riqueza de anfíbios do mundo, com 1.136 espécies reconhecidas na lista mais recente, no entanto, sabemos que este número é bem maior, especialmente considerando a grande quantidade de novas espécies descritas a cada ano. Não há muitos estudos sendo feitos para monitorar as populações de anfíbios, o que é preocupante! De acordo com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN/ICMBio), 41 espécies de anfíbios estão atualmente classificadas como ameaçadas de extinção no Brasil, sendo 37 delas na Mata Atlântica, enquanto uma (Phrynomedusa fimbriata) já é considerada extinta.

Cientistas listaram 625 espécies de anfíbios que podem ser encontradas na Mata Atlântica, sendo quase 80% delas endêmicas a este bioma. Além das ameaçadas, muitas destas espécies estão classificadas como “deficientes em dados” (DD), uma categoria utilizada em estudos de Conservação quando os pesquisadores não possuem informações suficientes para categorizá-las quanto ao grau de seu risco de extinção. Provavelmente, uma boa parte delas está fortemente ameaçada ou mesmo já extinta. Por isso, os cientistas vivem uma intensa busca para obter o máximo de informações sobre a biodiversidade frente à enorme velocidade da destruição ambiental e da extinção em massa. Como resume bem Edward O. Wilson, “estamos presos em uma corrida”.

No ritmo desta corrida, realizamos inventários de fauna em uma das Unidades de Conservação (UC) mais importantes e deslumbrantes do Estado do Rio de Janeiro: o Parque Estadual dos Três Picos. O Parque constitui a maior Unidade de Conservação (UC) estadual do RJ, e sua área inclui terras de cinco municípios: Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Nova Friburgo, Silva Jardim e Teresópolis. Quem já percorreu o trecho entre Cachoeiras de Macacu e Nova Friburgo da rodovia RJ-116, ou entre Guapimirim e Cachoeiras de Macacu da RJ-122, conhece a paisagem montanhosa exuberante, uma visão espetacular.

O Parque Estadual dos Três Picos integra em seu interior montanhas elevadas com picos que atingem até 2.316 metros de altitude, e é um dos destinos preferidos de turistas, escaladores e montanhistas. As densas florestas do Parque, com muitos riachos, rios e cachoeiras, em conjunto com aquelas do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, da Reserva Ecológica de Guapiaçu, da Reserva Biológica do Tinguá, dentre outras UCs, ajudam a compor as florestas protetoras da bacia hidrográfica da Baía de Guanabara.

Vamos agora contar um pouco sobre as pesquisas que realizamos com os anfíbios do Parque Estadual do Três Picos. Fizemos buscas por estes animais em quatro áreas que integram o Parque, até uma altitude de 1.900 m: Reserva Ecológica de Guapiaçu e Fazenda Santa Bárbara, no município de Cachoeiras de Macacu, e Theodoro de Oliveira e Baixo Caledônia, no município de Nova Friburgo.

Registramos 63 espécies de anfíbios. É impressionante que, no interior do Parque, exista cerca de um terço (31%) das espécies de anfíbios listadas para todo o estado do RJ (201 espécies). Muitas das espécies encontradas são raras, e, surpreendentemente, cinco delas nunca haviam sido observadas antes. Que deleite! Jamais esqueceremos os rostos apaixonados e maravilhados do saudoso Prof. Eugenio Izecksohn (1932-2013) ao ver o primeiro exemplar coletado de Holoaden pholeter e do Prof. José P. Pombal Junior ao ver os primeiros exemplares de uma nova espécie do gênero Brachycephalus.

Infelizmente, nem tudo são flores! Dentre as 63 espécies que lá vivem, 21 estão em declínio populacional de acordo com a IUCN, enquanto oito possuem tendência populacional desconhecida. Uma espécie está classificada como “ameaçada”, duas como “quase ameaçadas”, e oito como “deficientes em dados”. Além disso, cinco espécies da nossa lista ainda não foram avaliadas quanto ao grau de ameaça porque uma delas apenas recentemente teve seu nome revalidado (Brachycephalus garbeanus), outra foi descrita formalmente muito recentemente (Dendrophryniscus davori), enquanto três espécies ainda não foram descritas (Brachycephalus sp., Ischnocnema sp. e Fritziana sp.).

Resumindo, das espécies de anfíbios registradas por nós no Parque Estadual dos Três Picos, há ao menos 16 que supostamente estariam em risco de extinção, porém muitas não figuram nessa categoria por não terem ainda sido avaliadas. Esse número pode ser ainda maior, já que só amostramos em alguns locais específicos do Parque. Com o nosso conhecimento até o momento, pudemos ver que as cinco novas espécies que encontramos possuem distribuição extremamente restrita, o que resulta em uma elevada vulnerabilidade ao desaparecimento. Este é um exemplo de como este Parque possui uma importância estratégica para a conservação dos anfíbios.

A proteção destas florestas como uma UC foi assegurada com a criação do Parque Estadual, em 2002, com o objetivo de recuperar áreas degradadas, preservar a biodiversidade, integrar o Corredor Ecológico Central da Mata Atlântica, assegurar a manutenção das nascentes e dos corpos hídricos que abastecem alguns municípios (p. ex., a cidade do Rio de Janeiro), e incentivar lazer, educação ambiental e pesquisa científica. Além disso, o Parque está inserido no Mosaico Central Fluminense, criado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2006, e no Mosaico Mico-Leão-Dourado, 2010, resultado de planejamento para implementar gestões integradas entre UCs conectadas.

Quando no Brasil, tanto o presidente Bolsonaro como o seu Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles dão demonstrações de que não se importam com a proteção de florestas, como assegurar a conservação dos anfíbios e de toda a biodiversidade no Brasil? É fundamental e urgente contrapor a atual política de desvalorização ambiental e defender o Parque Estadual dos Três Picos contra a principal fonte de impactos na região serrana central do RJ: a especulação imobiliária. Nesse momento de quarentena devido à pandemia por coronavírus, a procura por moradia nesta região está crescendo. Apesar da gestão do Parque pertencer ao INEA, é preciso que haja integração das ações federal, estadual e municipal para garantir a total proteção da biodiversidade.

Neste sentido, é fundamental que sejam intensificadas algumas ações, parte delas já previstas no Plano de Manejo do Parque: fiscalização contra ocupações irregulares; desapropriações já previstas; programas de reflorestamento das áreas degradadas; rápida resposta frente a possíveis incêndios nos campos de altitude (áreas de alto endemismo de anfíbios), como o ocorrido recentemente em área próxima, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos; investigação de drenagens clandestinas de pequenos riachos para a canalização de água com vistas à criação comercial de peixes (especialmente a truta), o que leva ao dessecamento dos corpos hídricos, fundamentais para o desenvolvimento dos girinos; fiscalização da caça e do extrativismo vegetal, que promovem o desequilíbrio ecológico; incentivos às pesquisas científicas e aos projetos de educação ambiental que sensibilizem as pessoas quanto à importância dos anfíbios; promoção de visitações ordenadas às áreas naturais; e por fim, mas não menos importante, combate à desigualdade social, na medida em que as populações mais pobres são as mais vulneráveis na região.

Diante do exposto, frente ao gravíssimo problema do “Declínio Global de Anfíbios”, é de extrema importância que haja incentivos para estudos populacionais de médio e de longo prazo sobre diferentes espécies-alvo no Parque. Os anfíbios da Mata Atlântica são extremamente vulneráveis à extinção e o Parque Estadual dos Três Picos se destaca como uma UC estratégica à proteção da biodiversidade, especialmente as que estão sob risco real de extinção.

*Carla C. Siqueira é Pós-Doutoranda na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com Bolsa FAPERJ.

**Davor Vrcibradic é Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

***Carlos Frederico D. Rocha é Professor Titular da UERJ, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A.

Fonte: O Eco