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Opinião

Um Novo Acordo Verde sem Crescimento?

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*Por José Eustáquio Diniz Alves

A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. O nível de degradação dos ecossistemas e as mudanças do clima só aumentam desde a Revolução Industrial e Energética do último quartel do século XVIII. Em 250 anos, a economia global cresceu 135 vezes, a população mundial cresceu 9,2 vezes e a renda per capita cresceu 15 vezes. Este crescimento demoeconômico foi maior do que o que ocorreu em todo o período dos 200 mil anos anteriores, desde o surgimento do Homo sapiens. Mas todo o crescimento e enriquecimento humano ocorreu às custas do encolhimento e empobrecimento do meio ambiente.

Segundo a Global Footprint Network, a população mundial em 2016 era de 7,5 bilhões de habitantes, com uma pegada ecológica total de 20,6 bilhões de hectares globais (gha) e uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de gha. A pegada ecológica per capita estava em 2,75 gha e uma biocapacidade per capita de 1,63 gha. Assim, a Terra tinha um déficit per capita de 1,12 gha (ou um déficit total de 8,4 bilhões de gha). Ou seja, para manter o consumo humano de 2016 seria necessário 1,7 planeta. Portanto, o nível das atividades antrópicas é insustentável em termos ecológicos e o mundo está vivendo no “cheque especial” e da dilapidação da herança deixada pela Mãe Terra.

Em 2019, surgiu o “Green New Deal” (Novo Acordo Verde), que é um plano – arquitetado de forma inédita pela ala democrata e progressista do novo Congresso americano – para tentar salvar a vida do Planeta de uma catástrofe sem precedentes que já se vislumbra no horizonte, em função dos efeitos deletérios da degradação ecológica e do aquecimento global. No dia 07 de fevereiro de 2019, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey, junto com outras lideranças do Partido Democrata, dos Estados Unidos, apresentaram um projeto, delineando um plano ambiental para criar uma economia mais amiga do meio ambiente e de baixo carbono nos EUA, até 2030. Este vai ser um dos pontos debatidos na campanha eleitoral que culmina com as eleições de 03 de novembro nos EUA.

O ‘New Deal’, originalmente, foi o nome dado ao programa de salvação econômica que o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, implementou entre 1933 e 1937 para combater o desemprego e a pobreza gerados pela grande depressão ocorrida após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O estadista Roosevelt desafiou o pensamento convencional e os dogmas da ortodoxia econômica para implementar políticas keynesianas, antes mesmo da divulgação da obra magna de John Maynard Keynes, que defendia o crescimento econômico com pleno emprego e justiça social. Acontece que o “Green New Deal” também prevê a continuidade do crescimento econômico, que é um dos principais vetores da sobrecarga da Terra.

A questão que se coloca é se é possível um “Green New Deal” sem crescimento ou com decrescimento econômico.
Este é o tema do artigo “A Green New Deal without growth?”, publicado por Mastini, Kallis e Hickel, na revista acadêmica Ecological Economics, com data de janeiro de 2021. Os autores fazem uma contraposição entre os defensores do “Decrescimento” e os defensores do “Green New Deal”.

Políticos e acadêmicos debatem a melhor forma de descarbonizar o sistema de energia e quais mudanças socioeconômicas podem ser necessárias. Como se sabe, o IPCC diz que para manter o aquecimento global abaixo de 1,5º C, as emissões globais devem ser reduzidas a zero até 2050. Seria possível atingir esta meta mantendo o crescimento econômico?

Os autores avaliam os pontos fortes, fracos e sinergias de duas narrativas de mudança climática proeminentes: o New Deal Verde e decrescimento. No primeiro caso, os defensores do New Deal Verde propõem um plano para coordenar e financiar uma reforma em grande escala do sistema de energia. O crescimento econômico seria crucial para o financiamento dessa transição e afirmam que o Novo Acordo Verde estimulará ainda mais o crescimento.

No segundo caso, os defensores do decrescimento afirmam que o crescimento torna mais difícil realizar reduções de emissões e defendem a redução da escala de uso de energia para permitir uma rápida transição energética. Embora uma sociedade em decrescimento se baseie em valores sociais e estruturas econômicas diferentes dos atuais, o PIB pode fornecer uma estratégia de transição.

Embora as duas narrativas convergem na importância dos investimentos públicos para o financiamento da transição energética, políticas industriais para liderar a descarbonização da economia, socializar o setor energético para permitir horizontes de investimento mais longos e expandir o estado de bem-estar para aumentar a proteção social.

Um tema que não foi tratado em nenhuma das duas abordagens é o do crescimento populacional. Os negacionistas da demografia continuam prevalecendo e o decrescimento demoeconômico continua sendo um tabu. Os autores concluem que, apesar das tensões importantes, haveria espaço para sintetizar o New Deal Verde e abordagens voltadas para o decrescimento em um “Novo Acordo Verde sem crescimento”.

Por exemplo, a mudança da matriz energética pode gerar empregos e crescimento na indústria de baixo carbono e gerar decrescimento na indústria fóssil, contribuindo para reduzir e decrescer as emissões de gases de efeito estufa. A boa notícia é que os parques de energia solar fotovoltaica são atualmente mais baratos do que usinas à base de combustão de carvão e de gás natural na maioria dos países, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). A IEA projeta que a capacidade eólica e solar dobrará nos próximos cinco anos globalmente e excederá a do gás e do carvão.

O novo presidente eleito dos EUA, Joe Biden, se comprometeu com o “Green New Deal”, mas, evidentemente, deseja crescimento econômico para reduzir o desemprego e aumentar a renda, especialmente das populações mais pobres. Resta saber se ele conseguirá um crescimento das “atividades verdes” e um decrescimento das “atividades marrons”, pois voltar ao “velho normal” só vai agravar a emergência climática e ambiental.

Certamente, Biden e Harris vão reverter muitos dos retrocessos provocados pela administração Donald Trump. Mas ainda resta uma dúvida sobre até que ponto o novo governo dos EUA será capaz de avançar em medidas ambientais para tornar o mundo melhor do que a situação atual.

José Eustáquio Diniz Alves é Colunista do EcoDebate e Doutor em demografia.

Fonte: EcoDebate