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Opinião

Projeto Harpia: exemplo de conservação integrada

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*Yara Barros

Ver uma harpia voando na natureza é uma experiência inesquecível. Maior águia das Américas, pode chegar a respeitáveis 2,1 m de envergadura e garras com mais de 8 cm, basicamente maiores do que as de um urso marrom.

Como espécie de topo de cadeia, que precisa de um ambiente com grandes árvores para nidificar e uma floresta para sustentar uma população adequada de presas, a harpia sofre com desmatamento, fragmentação e caça. À medida que as florestas encolhem e as pessoas avançam, diminui a quantidade de presas disponíveis para a espécie (macacos, preguiças, porcos-espinho, etc…) e aumentam os conflitos com populações humanas, o que causa a morte de muitas aves.

O Projeto Harpia nasceu do sonho da pesquisadora Tânia Sanaiotti, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. A Tânia é servidora pública, uma pesquisadora fantástica que dedica a vida ao estudo e proteção das harpias. O projeto teve início em 1997 com o nome de Programa de Conservação do Gavião-Real. Em 2017 esse trabalho completou 20 anos de muito esforço e uma quantidade incrível de dados produzidos. Hoje, o projeto conta com vários componentes e atua em todo Brasil. Tânia está coordenando o grupo Amazônia do Programa In Situ do Projeto Harpia.

Em março de 2017 foi conduzido pelo Grupo Especialista em Planejamento para a Conservação (CPSG)/International Union for Conservation of Nature (IUCN) uma Análise de Viabilidade de Populações e Hábitats (PHVA) para a harpia. Através da aplicação das Diretrizes da IUCN para Manejo Ex Situ, foi identificada como ferramenta de conservação a necessidade da criação de um Programa Ex Situ, dentro do Projeto Harpia.

O Programa Ex Situ foi então incorporado ao Projeto Harpia, e fui convidada a coordená-lo. Esse programa tem as seguintes funções de conservação: trabalhar ações de resgate e reabilitação para soltura, o estabelecimento de uma população de segurança como possível fonte de restauração de populações, pesquisa, treinamento, educação para a conservação e arrecadação de recursos para o projeto de campo.

Em 2018 foi realizado em Foz do Iguaçu um workshop para a estruturação desse programa, que tem duas frentes de ação principais:

  • Rede de Segurança: com o objetivo de desenvolver e aplicar ações de manejo intensivo para garantir o retorno à natureza de aves que foram removidas por ação antrópica ou incidental, para que possam continuar cumprindo seu papel ecológico.

O direcionamento do programa nesses casos é priorizar o retorno do animal à natureza, se for possível e seguro. Recentemente a Rede de Segurança atuou na articulação do resgate e atendimento médico veterinário de três harpias feridas na Amazônia que estão atualmente em tratamento. Essa linha tem como coordenador o médico veterinário e analista ambiental Diogo Lagroteria, do Centro de Pesquisas da Biodiversidade Amazônica, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

  • Manejo Cooperativo: com o objetivo de manter uma população em cativeiro auto sustentável, que mantenha 90% de diversidade genética por cinco gerações, como segurança contra o declínio ou extinção na natureza, para serem utilizadas em ações de conservação no futuro, como produzir animais para manejar e restaurar populações na natureza, caso em algum momento seja necessário.

Nessa linha, estamos finalizando um levantamento de todas as harpias em cativeiro no Brasil e estruturando o programa de manejo cooperativo, em parceria com a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), e o próximo passo é definir quais instituições mantenedoras vão integrar o programa, fazer a análise genética dessas aves para determinar sua origem e à partir daí elaborar o livro de registro genealógico (Studbook) e orientar os pareamentos. O coordenador dessa linha é o biólogo Marcos Oliveira, do Zoológico Refúgio Bela Vista, da Itaipu Binacional.

O Programa Ex Situ tem abrangência internacional e envolve zoos de outros países, como o Zoo Parc de Beauval (França), que acabou de receber um casal enviado do Brasil, e há dois anos é o principal patrocinador do Projeto Harpia. O Zoo de Nuremberg, também parceiro do programa, está patrocinando a análise genética das harpias em cativeiro que integram o programa, pois essa informação é imprescindível para estabelecimento de pareamentos. As análises genéticas serão realizadas pelo professor Aureo Banhos, da Universidade Federal do Espírito Santo, que também é coordenador do grupo Mata Atlântica do Programa In Situ do Projeto Harpia.

Como a maioria das iniciativas de conservação no Brasil, o Projeto Harpia esbarra na falta de recursos, e muito do trabalho é feito com recursos dos próprios pesquisadores e com a ajuda de voluntários empolgados. O Projeto Harpia está estruturado dentro do conceito de One Plan Approach da IUCN, que é definido como o planejamento integrado para a conservação de uma espécie, tanto dentro como fora de sua área de ocorrência natural e em todas as condições de manejo, sendo que todas as partes responsáveis alinhem os recursos disponíveis para produzir um plano de conservação amplo para a espécie.

Portanto, com a criação do Programa Ex Situ, o Projeto Harpia passou a trabalhar de forma integrada ações em campo e cativeiro, com o objetivo único de melhorar o estado de conservação da espécie. E assim seguimos trabalhando para que essa ave poderosa não desapareça.

*Yara Barros é coordenadora do Programa Ex Situ – Projeto Harpia

Fonte: O Eco