Opinião

Desenvolvimento pautado na insustentabilidade

*Dalce Ricas

As declarações do “sinistro” ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, feitas na “histórica” reunião de 22 de abril, com a presença do presidente Jair Bolsonaro, geraram indignação até fora do Brasil. Na ocasião, ele ‘aconselhou’ o governo a aproveitar a atenção da imprensa voltada para a pandemia da Covid-19 para “passar a boiada”, flexibilizando de vez a legislação ambiental que atrapalha o projeto econômico e político do presidente e de seus seguidores.

Mesmo assim, e numa rapidez surpreendente, foi publicada em grandes jornais, como matéria paga, uma declaração pública de apoio ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Apoio ao seu titular por ele defender “a legislação e os interesses ambientais ao desenvolvimento do país de forma sustentável e legítima”. A nota foi assinada por dezenas de instituições patronais, em sua maioria, dos setores agropecuário e imobiliário.

As confederações nacionais da Agricultura (CNA) e da Indústria (CNI) estão entre as primeiras signatárias, seguidas por diversas associações do setor imobiliário. Sem surpresa. Afinal, com algumas honrosas e raras exceções, a iniciativa privada no Brasil, no que se refere ao meio ambiente, continua se pautando por conceitos arcaicos e ultrapassados.

E esses setores são ‘excelentes exemplos’ disso. No Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), aqui em Minas, se alguém solicitar licença para transformar em carvão as árvores do Palácio da Liberdade e erguer um espigão no local, a maioria dos conselheiros com certeza votará a favor.

O Brasil tem milhares de hectares de terras desmatadas. Mas alguém já ouviu ou leu alguma declaração da CNA, da CNI e dos especuladores imobiliários contra o desmatamento? Ou em reconhecimento à dignidade e direitos das populações indígenas após 520 anos de genocídio? Em respeito à fauna? Contra o desmantelamento do Ibama, do ICMbio e da política climática do MMA? Ou contra garimpeiros, grileiros e madeireiros que continuam ‘comendo’ a Amazônia?

Se viram, por favor, me contem para que eu possa me retratar. Certamente, o desenvolvimento sustentável que defendem é aquele que sustenta sua ganância.

Questão ética

Considerando a rapidez da declaração de apoio do setor produtivo ao MMA, analistas levantaram a suspeita de que empresas filiadas a instituições signatárias podem não ter sido ouvidas. Não deu outra. O Grupo Boticário publicou nota desmentindo seu apoio e informando que solicitará o mesmo à Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, cujo nome consta da lista e à qual é associada.

Já o vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro de Camargo Neto, renunciou ao cargo e, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo declarou: “Saí pela questão ética. Fui contra assinar o anúncio de apoio ao MMA, que entendo ser equivocado e fere meus princípios. Pretender usar o momento de dor e mesmo o pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios. O debate e a participação da sociedade são essenciais”.

Como ambientalista, obviamente nunca deixei de reconhecer que atividades econômicas são imprescindíveis à nossa vida. E as reações citadas mostram, felizmente, que o apoio ao governo na área ambiental não envolve instituições que desenvolvem suas atividades com responsabilidade socioambiental. Resta saber se outras terão coragem de fazer o mesmo ou se ficarão caladas, passando a mensagem de que o governo poderá continuar ‘exterminando o futuro’.

*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda.
Fonte: Revista Ecológico