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Opinião

Os (Des)Caminhos da Política Florestal Brasileira em Onze Meses

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*Syglea Lopes

De qual bem estamos tratando e quem está incumbido de protegê-lo?
A Constituição Federal em seu artigo 225 obriga o Poder Público, (legislativo, executivo e judiciário) a garantir proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, expandiu esse poder de proteção a coletividade. Diante dos [des]caminhos que a política florestal vem tomando urge analisar o que está sendo feito no sentido de protegê-lo.

Nosso objetivo foi levantar as ações do Poder Público, com ênfase ao executivo e legislativo para saber sobre as ações referentes a condução da política florestal brasileira, em especial aquelas aplicadas à Amazônia Legal. Para isso, utilizamos o ciclo das políticas públicas: formação da agenda; formulação da política; processo de tomada de decisão; e avaliação.

Como se desenhou a agenda da política florestal?

A agenda para as florestas foi desenhada durante a campanha para a eleição presidencial de 2018. Na ocasião, foi possível identificar quais seriam os principais atores. Eles compõem as maiores frentes parlamentares nacionais, são: ruralistas, da segurança pública e a evangélica. Dentre elas, destaca-se a ruralista, conforme matéria de Renan Lúcio, indicando a época que a mesma era:

[…] a bancada, apoiada por entidades, instituições, associações etc, forma um poderoso grupo de pressão sobre o executivo e colegas do legislativo para aprovar benefícios financeiros aos fazendeiros, flexibilizar normas ambientais, impedir a realização de reforma agrária e manter o setor agroindustrial como prioridade nacional, basicamente. (https://br.sputniknews.com/opiniao/2018060711393290-bala-boi-biblia/)

Em relação aos demais atores foi sendo construído um discurso de ódio colocando-os como inimigos e, ao mesmo, tempo obstáculos, é o caso das instituições de pesquisa, povos tradicionais, organizações não governamentais, defensores do meio ambiente em geral.

O que foi formulado, selecionado e está sendo implementado como Política Florestal?

Inicialmente, identificou-se que a estratégia utilizada para implementação incluiu o enfraquecimento do poder de polícia. Possível de ser observado na: redução das ações de fiscalização; divulgação previa das áreas a serem fiscalizadas; exoneração de inúmeros servidores dos órgãos ambientais; redução do orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade – Icmbio, de acordo com dados do Instituto Socioambiental – ISA os cortes foram no valor de R$24,8 milhões e R$5,4 milhões, respectivamente (https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/efeito-bolsonaro-promove-maior-aumento-anual-do-desmatamento-neste-seculo).

Abaixo gráficos usados pelo Observatório do Clima para ilustrar a redução da fiscalização (http://www.observatoriodoclima.eco.br/sob-bolsonaro-autuacoes-ibama-sao-menores-em-uma-decada/).

Também foi observado inúmeras tentativas de afrouxamento das normas ambientais, em várias frentes: licenciamento ambiental, código florestal, Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC.

Houve ainda, a ação objetivando limitar a participação da sociedade na construção das políticas ambientais por meio do decreto n.º 9.806 de 2019, que alterou a composição do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, reduzindo a participação da sociedade civil.

E a avaliação da política florestal?

Com base nos fatos apresentados observou-se em relação a implementação: a) avanço no desmatamento das florestas, segundo o INPE entre agosto de 2018 e julho de 2019, houve um aumento relativo de 29,9% (https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/efeito-bolsonaro-promove-maior-aumento-anual-do-desmatamento-neste-seculo) b) avanço as áreas protegidas, foram 1.864,2 km2 em alertas, e representam um aumento de 278% em comparação com o mês de julho de 2018. (https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/efeito-bolsonaro-promove-maior-aumento-anual-do-desmatamento-neste-seculo) c) conflitos no campo, até setembro de 2019 já havia 18 assassinatos (https://www.brasildefato.com.br/2019/09/30/campeoes-de-desmatamento-e-queimadas-na-amazonia-sao-dominados-pelo-gado-e-pela-soja/ ). d) descrédito dos órgãos ambientais e da legislação ambiental brasileira; e) suspensão do financiamento de projetos para proteção da floresta e da biodiversidade na Amazônia; f) alta probabilidade de perda de mercado internacional, principalmente o europeu.

É possível reverter esse quadro?

Caso seja interesse do governo mudar este cenário, ainda há tempo. Para isso precisará reverter o que desmantelou e realizar as seguintes ações:

a) retornar à estruturação do Ministério do Meio Ambiente – MMA;

b) aportar recurso orçamentário aos órgãos ambientais e libertar seus fiscais para o exercício do seu poder de polícia referente as atividades ilegais, e nomear imediatamente profissionais para os cargos vagos;

c) reforçar a proteção às unidades de conservação e terras indígenas

d) permitir ao Serviço Florestal Brasileiro – SFB que possa fazer a gestão das florestas públicas, priorizando ações em terras públicas ainda não destinadas;

e) combater a grilagem evitando regularizar terras públicas para invasores, destinando essas terras, conforme previsão constitucional à reforma agrária e/ou à proteção ambiental;

f) priorizar a implementação do código florestal fortalecendo seus instrumentos;

g) garantir os direitos dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares;

h) reconhecer e garantir o direito a participação da sociedade na proteção do patrimônio ambiental nacional.

Foi possível observar os descaminhos da política florestal com impactos negativos em apenas onze meses do atual governo, acendendo um alerta e indicando ao Poder Público a necessidade de revisão desta política, tornando o processo democrático, o que implica a inserção da sociedade na construção da mesma.

*Syglea Lopes é Dra. Direitos Humanos e Meio Ambiente

Fonte: EcoDebate