Opinião

Óleo no litoral do Nordeste e do Brasil

*Cláudio Maretti

O óleo, ou petróleo, continua chegando e se espalhando. E já afeta 15 unidades de conservação federais e umas 20 estaduais, além de ameaçar sítios Ramsar (de áreas úmidas de reconhecida importância internacional, como os manguezais amazônicos e do Nordeste) e sítios do Patrimônio Mundial natural (ou patrimônio da humanidade, como Fernando de Noronha e outras ilhas oceânicas e a Costa do Descobrimento, com importantes áreas de recifes de corais) e já afeta a vida e o sustento de milhares de famílias de pescadores e coletores artesanais!

Em uma emergência ambiental, as reações devem ser na mesma medida, inclusive pedindo ajuda internacional. É essencial atuar com responsabilidade com as comunidades locais, os pescadores e reconhecer os brigadistas do mar ou do litoral. Mais que as praias e oceano aberto, os manguezais, corais e estuários também necessitam de atenção.

Por que não uma solicitação de um painel internacional?

Estamos vivendo uma emergência, a qual, aparentemente, é internacional, pois, até agora, tudo indica que o óleo vem de águas internacionais. (Ou, mesmo que seja, da Zona Econômica Exclusiva brasileira. De qualquer forma, a exploração de petróleo em águas profundas traz sempre grandes riscos. E parece que não estamos preparados.) Então, por que não solicitar à ONU Ambiente, à UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) ou à Unesco para ajudar a investigar e avaliar o ocorrido e a recomendar decisões e ações?

Há divergências no país sobre as melhores reações, ainda que se possa dizer que qualquer reação é melhor do que reação nenhuma. Então, por que não solicitar que essas instituições internacionais nos ajudem a orientar a ação de minimização dos impactos, inclusive ações e cuidados de prevenção pela saúde dos voluntários e pela vida dos pescadores, e a coordenação entre as instituições governamentais e com a sociedade civil?

Já é claro que será necessário ter um programa de recuperação ecológica e ambiental. Por que não solicitar dessas organizações internacionais um painel independente para recomendar ações e medidas se recuperação, com atenção inclusive às comunidades de pescadores e catadores artesanais?

Haverá necessidade de punição e reparação. Com a identificação de culpados – seja pelas instituições brasileiras, pela Interpol ou outras instituições internacionais, pois aparentemente já há investigações em curso –, serão necessários processos diplomáticos e judiciais, nacionais e internacionais para a punição e a reparação. Então, não seria melhor contar com o apoio técnico, diplomático e independente dessas instituições internacionais?

Essa demanda para o apoio das instituições internacionais poderia ser feita por instituições governamentais federais, como MMA, Ibama e ICMBio, mas também ou alternativamente por governos estaduais ou governos municipais, eventualmente por secretarias ou órgãos ambientais, por coletivos de cientistas ou universidades e instituições de pesquisa, ou mesmo por organizações da sociedade civil, movimentos sociais e associações de base.

Por que não temos “brigadistas” do mar?

Além dos danos à vida e ao sustento de comunidades litorâneas, outro tema importante é a possibilidade do trabalho dos pescadores, treinados ou a serem treinados.

Quando há incêndios florestais ou na natureza, inclusive em unidades de conservação, o principal instrumento de prevenção e combate são as brigadas. Os brigadistas, principalmente aqueles treinados pelo Ibama e pelo ICMBio, assim como em casos estaduais e municipais e de alguns grupos de brigadistas voluntários, são sempre necessários e normalmente são a melhor parte das soluções.

Claro que, dependendo da situação, são importantes o apoio de aviões bem equipados (ainda que muitas vezes é melhor se forem os menores, mais ágeis e flexíveis). E helicópteros, inclusive para servir ao deslocamento dos brigadistas. Em algumas situações, se treinados para o combate aos incêndios na natureza, os bombeiros e militares são essenciais. Mas os brigadistas são eficientes, sempre, e necessários.

Os brigadistas do Ibama e do ICMBio normalmente são recrutados nas comunidades locais, conhecem o meio, o defendem e por ali permanecem, pois são da localidade. Normalmente são treinados e contratados como servidores públicos temporários. E nessa situação podem perdurar como equipes treinadas por até 2 anos ou mais, atuando na prevenção e no combate às emergências ambientais ou ecológicas. Mas às vezes, inclusive em emergências, como agora, podem ser contratados complementarmente por outros meios.

Na crise, essa atividade com as comunidades, além de combater a emergência ambiental ou ecológica, pode servir de alternativa emergencial de renda e prestação de serviços à sociedade. Mais ainda, após treinamento e dedicação, se fortalece a relação desses agentes comunitários com o seu meio e com a sua conservação, inclusive no caso de unidades de conservação e outras áreas protegidas. E já há experiência positiva com voluntários para monitoramento participativo da biodiversidade, muitas vezes com pessoas oriundas das comunidades de pescadores.

Além do que, os pescadores e catadores artesanais já estão atuando, como voluntários, ou às vezes desesperados para defender suas vidas, seu ambiente e seu sustento. Neste caso do óleo no litoral brasileiro, por que não fazer o mesmo com os pescadores e coletores artesanais?

Por que não usar a experiência e o conhecimento do Ibama e do ICMBio no treinamento e organização dos brigadistas e mobilizar pescadores e coletores artesanais com sua disposição, conhecimento do meio e dos acessos? Por que não recrutar e treinar brigadistas do mar ou do litoral?

Ainda mais considerando que há dezenas ou centenas de milhares de famílias de pescadores e coletores artesanais nas unidades de conservação litorâneas, como reservas extrativistas (resex’s) e áreas de proteção ambiental (APA’s), e outros tantos fora delas, que conhecem e defendem o meio ambiente e os ecossistemas, e cujas vidas dependem da saúde desses ecossistemas.

Atenção aos manguezais, corais e estuários e à pesca

Nota-se muito dano nas praias e prejuízos, inclusive à economia do turismo. O que em si já é terrível. Supõem-se danos importantes em mar aberto. Mas os riscos de contaminação nos manguezais, corais e estuários são potencialmente muito mais graves, pois esses são ecossistemas fundamentais para a manutenção e reprodução da vida marinha e litorânea. São ecossistemas cuja limpeza será muito mais complexa, difícil, demorada e cara.

E as consequências, ecológicas, sociais e econômicas também serão mais severas, inclusive à economia da pesca e da coleta e à saúde humana.

Por isso os pescadores têm se mobilizado para defender seu meio ambiente, a natureza e os ecossistemas que normalmente cuidam, e dos quais depende sua reprodução sociocultural e econômica.

Uma calamidade esse caso já é. Cabe ao Brasil, pela sua reação, pelos cuidados com os ecossistemas mais sensíveis e com as comunidades de pescadores, pela coordenação das ações e pela atenção, desde já, na recuperação, tornar ela menos dramática.

*Cláudio Maretti é especialista em ordenamento territorial, conservação, comunidades e sustentabilidade. Doutor, com 40 anos de experiência profissional internacional. Hoje consultor, voluntário e vice-presidente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas, da UICN.

Fonte: O Eco