Opinião

Pesquisadora diz que Amazônia deixará de produzir chuva daqui a dois anos

*Amelia Gonzalez

Causou polêmica a declaração da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, de que a Floresta Amazônica vai entrar num ponto de inflexão daqui a dois anos.

Isto quer dizer o seguinte: por causa do desmatamento e das queimadas, após este prazo, a floresta deixa de produzir chuva suficiente para se sustentar e vai se transformando lentamente numa savana mais seca, liberando bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.

As consequências desse cenário seriam desastrosas, como se pode imaginar: as árvores param de sequestrar o carbono, há mudança de clima e isto trará mais eventos de seca ou de tempestades furiosas na América do Sul.

De Bolle, que também é chefe do programa de estudos latino-americanos da Universidade Johns Hopkins, fez mais do que um anúncio. Ela lançou um alerta ao mundo, e pediu que todos prestassem atenção às políticas do presidente Jair Bolsonaro, que não se incomoda em dizer que floresta, para ele, só faz sentido se promover progresso e desenvolvimento para o país. Tal política estaria contribuindo para o aquecimento global e para um desastre sem precedentes na floresta.

Dom Phillips, um dos correspondentes do jornal “The Guardian” no Brasil, ouviu cientistas sobre a declaração da pesquisadora.

Carlos Nobre, um dos principais cientistas climáticos e também pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, foi ouvido e disse que a degradação das terras tem provocado, já, sérios problemas.

Entretanto, ele questionou o cálculo de De Bolle, segundo o qual o desmatamento estimado quadruplicaria de quase 18 mil quilômetros quadrados neste ano para quase 70 mil quilômetros quadrados até 2021.

“Estamos vendo, sim, um aumento no desmatamento, não estou questionando isso. Mas parece-me muito improvável o cálculo feito pela pesquisadora. Este aumento projetado do desmatamento é mais um cálculo econômico do que ecológico”, disse o cientista.

No ano passado, Carlos Nobre argumentou em um artigo que o ponto de inflexão da Amazônia poderia acontecer no Leste, Sul e Centro, mas quando 20 a 25% da floresta fossem derrubados. Um dado do IBGE de 2010 dá conta de que a área total derrubada da floresta está em torno de 15%.

Assim sendo, e levando esse dado em conta, Nobre calcula que o ponto de inflexão da Amazônia aconteça daqui a 15, 20 anos.

Mas Thomas Lovejoy, biólogo americano e professor da Universidade George Mason, na Virgínia, disse que a projeção de De Bolle pode se tornar realidade porque o aquecimento global, o desmatamento e o aumento de incêndios na Amazônia criaram uma “sinergia negativa” que está acelerando sua destruição. As secas dos últimos anos são um sinal de alerta deste fenômeno.

“Estamos vendo o primeiro alarme. A única coisa sensata a fazer é um reflorestamento e recuperar a margem de segurança que tínhamos.” Só para lembrar, o Acordo de Paris, assinado por 193 países (o Brasil inclusive) se compromete a fazer tudo o que estiver ao alcance de governos e empresas para conter o aquecimento global em 1,5 a 2 graus.

Todos os presidentes levaram promessas, chamadas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês). E a ex-presidenta Dilma Roussef, em 2016, concordou com a proposta da ONU, reflorestar 12 milhões de hectares e acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Foi esta a declaração que o Brasil pôs na mesa de negociações do Acordo.

O desmatamento da Amazônia, no entanto, acompanhou a crise política que começou em 2013 e acelerou no governo Bolsonaro. E, se há um bom proveito da situação que se formou neste ano em torno da questão ambiental é que o atual presidente conseguiu que todos olhassem para a Amazônia, como lembrou Claudio Angelo, do Observatório do Clima, autor de “A espiral da morte” (Companhia das Letras).

Não custa lembrar que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informou que no último mês de agosto a Amazônia Legal perdeu 522 km² de floresta por conta do desmatamento. A devastação foi 220% maior, em comparação com 2011, quando a floresta perdeu 163,35 km² no mês de agosto. Os dados foram contestados pelo presidente Bolsonaro que, no entanto, não apresentou outros números cientificamente provados.

Ponto de inflexão da maior floresta tropical do mundo é algo bastante assustador para mim. Quer ele venha a acontecer daqui a dois ou 20 anos. Sobretudo porque, como se sabe, o desmatamento acontece porque madeireiros querem árvores para vender; porque pecuaristas queimam árvores para criar gado (e, na maioria das vezes, deixam para trás uma terra degradada); porque a agricultura desmata e impõe um tipo de monocultura que não ajuda em nada a manter o solo saudável.

É, portanto, para ajudar o país a crescer, embora este “progresso” possa ser, legitimamente, questionado, já que está causando tantos problemas à humanidade. E não está chegando a todos. Um estudo do IBGE mostrou que avançou 13% o número de pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza no país, com renda mensal equivalente a apenas R% 140 reais ou menor. São, hoje, 15,3 milhões de pessoas vivendo nesta situação.

E isto é bom que não se esqueça. Quando se fala em dados de desmatamento, em aumento de emissões de carbono, é sobre a qualidade da vida humana que se está falando. Porque ninguém há de negar, mesmo o mais negacionista do aquecimento global, que transformar uma floresta em savana é prejudicial ao nosso organismo. No bioma savana a água é escassa, as árvores também. A Floresta Amazônica, hoje, é responsável por sequestrar uma quantidade de carbono, o que a savana não tem condições de fazer.

É, portanto, uma declaração de que nós não conseguimos mesmo manter a relação homem e natureza com equilíbrio respeitoso para ambos. Tornamos esta relação uma disputa, e vamos sempre querer vencer.

*Amelia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1