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Opinião

Alguém pare este homem

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*Maria Tereza Jorge Pádua

Em 13 de fevereiro deste ano publiquei aqui mesmo a coluna intitulada “Qual é, senhor Ministro”. Na ocasião mencionei que além de neófito na área, ele parece avesso à mesma. No final do artigo aconselhei ao senhor ministro que pegasse seu chapéu de feltro e fosse embora. Seria menos perigoso e vexatório para o país.

Naquela época eu ainda acreditava que ele fosse durar pouco no cargo, graças ao seu profundo desconhecimento do assunto e devido às suas propostas claramente contra o que ele deveria proteger, ou seja, nosso meio ambiente. Estava enganada.

O recente desastre do derramamento de petróleo em nossas praias demonstra o mesmo método de agir quando se trata de assuntos ambientais, por mais sérios que sejam: jogar culpa em outros, mesmo sem provas e lavar as mãos. Não entendo muito deste assunto, porém posso compreender, como qualquer outro compatriota, que se demorou muito para iniciar as medidas cabíveis, além de se conseguir instrumentalizar oportunamente os municípios com praias atingidas.

Ricardo Salles não ouve ninguém. Recentemente esborrachou-se em uma entrevista de famoso canal de TV da Inglaterra, mostrando todo seu vergonhoso despreparo no assunto. Ele não aprende.

É bem raro que dirigentes de um país ainda possam desejar diminuir ou anular atos realizados em outras épocas com outros dirigentes. Mas Ricardo Salles esbraveja que vai rever o sistema nacional de unidades de conservação e propõe especificamente que pode reverter algumas ou muitas das disposições legais que criaram as 334 unidades de conservação sob a tutela do Poder Público Federal. E parece que o nosso presidente não se opõe! Salles continua ministro, por mais incrível que possa parecer e apesar de que possivelmente nunca na história um ministro encarregado de cuidar do ambiente se propusesse a destruir a base fundamental da conservação da biodiversidade. É o mundo ao revés.

Em geral, nossos ex-presidentes sim se importaram com o assunto. Getúlio Vargas começou o sistema de parques nacionais assinando a criação do Parque Nacional do Itatiaia em 1937; em 1939 foi o de Iguaçu e o da Serra dos Órgãos. Propostas do estabelecimento destas unidades de conservação foram registradas por André Rebouças em 1876 e por Santos Dumont em 1918. Em 1961 Jânio Quadros assinou vários decretos estabelecendo novos parques nacionais.

Os presidentes que mais estabeleceram parques nacionais e reservas biológicas em termos de tamanhos de áreas protegidas foram João Figueiredo, entre 1979 e 1981, e depois Fernando Henrique Cardoso. O interessante nestas cifras é o fato de que Figueiredo estava em um regime ditatorial de direita e Fernando Henrique Cardoso em um regime democrático de centro esquerda. Isso evidencia que a importância da conservação de amostras de nossa biodiversidade deve mesmo independer de regimes políticos ou apologias de direita ou de esquerda, pois seu benefício atinge toda a humanidade.

O novo governo não apenas pensa o contrário como conseguiu que muitos brasileiros se julgassem no direito de desmatar e queimar, sejam matas amazônicas ou atlânticas nativas, cerrados ou caatinga. Não contente, o ideário de devastação também avançou sobre os oceanos. O ministro do Meio Ambiente chegou a propôs facilitar e abrir o acesso irrestrito para Fernando de Noronha. Imaginem o descalabro.

Toda vez que por acaso Salles visita uma área natural, um parque nacional ou uma área protegida por lei, se espera a próxima bomba contra o meio ambiente. Ele é voraz na sua sede de destruição e fala tantas asneiras que os cientistas que propuseram várias unidades de conservação, especialmente na Amazônia, devem estar atônitos e alguns já revirando em seus túmulos.

Salles deve saber quem foi Paulo Vanzolini pelas famosas músicas como Ronda, Volta por Cima, entre outras. Talvez nem saiba que Vanzolini propôs os refúgios do pleistoceno na Amazônia com outros grandes cientistas como Ghillean Prance ou Keith Brown, indicando os locais de maior importância para se proteger. Quando fizeram a proposta, o Brasil tinha somente um Parque Nacional na Amazônia. De 1979 a 1981 o país assistiu o estabelecimento de mais de 8 milhões de hectares de unidades de conservação, principalmente na Amazônia. O regime era militar. Estes grandes cientistas eram apenas cientistas. Não foram ameaçados pelas suas propostas em época de regime autoritário. Praticamente graças a seus trabalhos foi que nosso país assistiu a duas etapas do Plano do Sistema de Unidades de Conservação. A primeira, publicada em 1979 e, a segunda, em 1981. Delas, o governo estabeleceu parques nacionais como Pico da Neblina, Pacaás Novos, Jau, Serra da Capivara ou reservas biológicas como Trombetas, Guaporé, Jaru e Atol das Rocas, esta última a primeira unidade de conservação marinha do país. Surgiram também o Parque Nacional da Serra da Capivara, na Caatinga, e o do Pantanal, em Mato Grosso.

Quem quer destruir as áreas que aqueles homens da ciência ajudaram a preservar é o responsável legal por protegê-las. Pobre país que tem um Salles como ministro de meio ambiente. Até quando?

Quem pode parar o Salles? Muito do que ele diz que vai propor esbarra em nossa Constituição ou na legislação em vigor. O presidente já deve ter ouvido muitas propostas ousadas contra a área ambiental de seu próprio ministro. Cabe a ele então afastá-lo do cargo para o qual ele não nasceu.

*Maria Tereza Jorge Pádua é engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.

Fonte: O Eco