Opinião

Preste atenção na cidade

*Rafael Loyola

“Olha pai, uma tartaruga!”. De cima das pranchas de stand-up paddle na Praia Vermelha (Rio de Janeiro), meus filhos e eu vimos não uma, mas várias tartarugas marinhas se alimentando nas pedras que cercam a praia. Confesso que fiquei tocado pela reação dos dois, maravilhados vendo aqueles animais que pareciam dançar debaixo d’água. As tartarugas subiam à superfície e desciam calmamente, passavam por debaixo das nossas pranchas, beliscavam algas nas pedras. Meus filhos nunca tinham visto tartarugas marinhas livres na natureza e tenho certeza que aquele momento os marcou de alguma maneira muito positiva.

Fiquei particularmente impressionado com o fato de que, em uma praia urbana de uma cidade com sete milhões de habitantes, ainda seja possível ter experiências assim. Na verdade, esse momento revela o que muita gente não sabe: ainda existe muita biodiversidade nas nossas cidades. Mesmo em metrópoles como o Rio e São Paulo, há locais onde a biodiversidade persiste e pode ser exuberante.

Com uma floresta urbana enorme dentro da cidade, muitos parques e praças e praias em diferentes situações, o Rio de Janeiro tem números impressionantes de espécies da fauna e flora. No estado como um todo, ocorrem mais de nove mil espécies só de plantas. Quase 10% disso (são 884 espécies) existem apenas na cidade ou no estado do Rio, não ocorrendo em outro lugar do Brasil ou do mundo.

Para além das espécies de plantas, a própria cobertura vegetal tem um papel fundamental na cidade. Ela atua como um ar condicionado natural, capturando o calor e devolvendo o mesmo para a atmosfera. Com verões cada vez mais quentes, quem tem árvores e blocos de floresta na cidade consegue ao menos descansar à sombra quando a temperatura beira o insuportável. Além disso, essa cobertura tem um papel importante na absorção da água da chuva, no controle de enchentes e pragas urbanas e balanço de chuvas na cidade. Ou seja, a floresta concede à cidade uma resiliência climática e ambiental.

Em tempos onde algumas pessoas ainda questionam a ciência sobre as causas e efeitos das mudanças climáticas, manter as áreas verdes e restaurar áreas degradadas ainda valem à pena. Essa lógica é o fundamento das chamadas de medidas de não-arrependimento. Ou seja, mesmo que nossas previsões sobre as mudanças climáticas e seus efeitos não se concretizem e o cenário termine sendo melhor que o projetado, ainda assim, terá valido à pena conservar áreas naturais e recuperar as degradadas. Esse tipo de medida deve ser prioridade no governo municipal e estadual.

É bom lembrar que essa não é apenas uma questão ambiental. É também uma questão de saúde pública e economia. Ter a natureza por perto traz bem-estar às pessoas e previne desastres naturais. Para além dos efeitos psicológicos de bem-estar, redução do estresse e ansiedade, criação de hábitos saudáveis, ar puro e água de qualidade, a manutenção da vegetação reduz o risco de deslizamentos em encostas e enchentes, que trazem doenças e riscos físicos às pessoas.

A proteção ou recuperação do meio ambiente gera também renda e empregos no município e no estado. Um relatório sobre restauração de paisagens e ecossistemas recém-publicado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos estima que, para cada 1.000 hectares recuperados no Brasil, são criados 200 empregos diretos. Se formos atingir nosso compromisso nacional de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, estamos falando de 191 mil empregos gerados anualmente. Isso movimenta a economia, traz diversificação de renda para agricultores rurais e diversos benefícios financeiros. Além disso, a manutenção e recuperação da vegetação estão diretamente associados à provisão e qualidade da água que abastece áreas rurais e cidades, reduzindo consideravelmente os gastos com tratamento.

Investir no meio ambiente é também um bom negócio. As finanças verdes têm ganhado cada vez mais atenção em fóruns econômicos. Elas são iniciativas do mercado financeiro que atribuem valor de mercado a títulos e ações que visem o financiamento de projetos ambientais sustentáveis. Os títulos verdes (conhecidos como green bonds), por exemplo, são títulos de renda fixa cujos recursos são aplicados exclusivamente para financiar projetos verdes. Diversos setores econômicos podem ser financiados por meio de emissões de títulos verdes. Isso funciona para geração de energia renovável, tratamento de resíduos, desenvolvimento rural sustentável, transporte com baixa emissão de carbono, gestão de recursos naturais e hídricos, e claro, adaptação à mudança do clima – incluindo medidas de não-arrependimento, como restauração florestal.

Um mercado de títulos verdes pode auxiliar o Brasil e os municípios a alavancar investimentos, expandir a sua infraestrutura e alcançar metas de acordos internacionais (como o Acordo de Paris ou Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Pode também facilitar a adequação a leis e programas nacionais, como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa. A própria Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia publicou, no início de 2019, uma cartilha sobre finanças verdes, alertando investidores sobre o potencial desse mercado.

Sendo assim, minha sugestão é que, da próxima vez que você for à praia, ao parque, à praça, à padaria… preste atenção na cidade. Ouça os sons da natureza, observe as plantas e os animais. Tente enxergar e entender o privilégio que é ter contato com tanta diversidade, mesmo em meio ao caos a agitação do nosso dia-a-dia. Perceba que a natureza vai muito além disso, entretanto. Muita gente já entendeu que biodiversidade não é problema, é solução. E você?

*Rafael Loyola é Diretor Científico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), professor da Universidade Federal de Goiás e membro da Academia Brasileira de Ciências

Fonte: O Eco