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Opinião

Parque Nacional dos Campos Gerais, a catedral dos campos naturais do Paraná

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*Clóvis Borges e Gilson Burigo Guimarães

Reduzidos de maneira drástica pelo desmatamento e ampla utilização do território para atividades extensivas de agricultura e silvicultura, os ecossistemas de Floresta com Araucária e Campos Naturais se encontram em uma fatídica trajetória de desaparecimento da paisagem paranaense, acelerada nas últimas décadas.

Mesmo com as limitações legais, especialmente demarcadas a partir do Decreto Federal da Mata Atlântica 750/93, que alcançava todo o estado do Paraná, a supressão de áreas naturais seguiu intensa, notadamente com avanços descontrolados sobre as últimas porções de Campos Naturais.

A força tarefa criada pelo Ministério do Meio Ambiente no início dos anos 2000 foi uma medida emergencial e absolutamente justificada, em função da necessidade de identificar os últimos remanescentes dessas formações naturais minimamente contíguos e em bom estado de conservação, proporcionando uma perspectiva de proteção de áreas onde a biodiversidade e a geodiversidade fossem mais expressivas.

As Unidades de Conservação criadas à época representam, portanto, o melhor equacionamento possível de parte do poder público para a implementação de ações protetivas para esses ambientes extremamente ameaçados. Prova contundente da necessidade dessa medida é a constatação da continuidade da pressão de degradação que avança sobre os remanescentes de Floresta com Araucária e Campos Naturais ainda hoje, em locais onde existe uma maior fragmentação.

O Parque Nacional dos Campos Gerais representa um ganho inestimável a toda a população brasileira, em especial pela proteção de áreas naturais contrastantes, inseridas na transição entre o primeiro e o segundo planalto paranaense, no domínio da Escarpa Devoniana. Um maciço ainda bem conservado de ambientes únicos está sendo mantido para as próximas gerações, abrindo espaço para o incremento sem precedentes de atividades de turismo de natureza, garantindo mananciais de água para as cidades próximas, protegendo espécies da flora e da fauna que não sobreviverão sem a presença dessas manchas mais expressivas ainda existentes.

Há, evidentemente, situações de conflito envolvendo um pequeno número de grandes proprietários que devem receber sim uma atenção do Governo Federal em busca de providências envolvendo indenizações pela criação do Parque Nacional. Uma prática corrente, da mesma medida do que ocorre em situações muito similares, como na implantação de grandes obras de infraestrutura, tais como usinas hidrelétricas, rodovias e ferrovias.

Cabe ressaltar que estamos tratando de um desafio que transcende questões pontuais de litígio. É preciso buscar uma aderência maior entre a extraordinária geração de riquezas que identifica essa região do Sul do Brasil, ao compromisso da sociedade em perpetuar os símbolos naturais que caracterizam o território.

A recente movimentação dos jovens de Ponta Grossa e municípios vizinhos em defesa da APA da Escarpa Devoniana deveria ser melhor interpretada pelas lideranças políticas e os empresários que representam o agronegócio. Há de se buscar uma conexão entre iniciativas de interesse público que estabeleçam relações saudáveis e sustentáveis, ancoradas em um verdadeiro “museu a céu aberto” que pertence a todos os paranaenses e brasileiros.

A criação de uma Parque Nacional ultrapassa o ato da conversão de áreas privadas em públicas. Trata do reconhecimento e incorporação por parte da sociedade sobre a máxima relevância de uma porção de território, a ser mantida e desfrutada pelas gerações futuras, independentemente de qualquer tipo de condição particular ou passageira. É o registro de nossa identidade que é preservada na forma de bem público. Motivo de orgulho e de qualidade de vida, num arranjo de comum acordo em que a sociedade aporta um resultado maior de sua condição de gerar riquezas e perpetuar sua cultura.

Que essa pequena fração do território se consolide como a maior catedral natural dos Campos Gerais do Paraná. Que seja abraçada por sua população, em especial os jovens, garantindo sua plena implantação e manutenção e seu ingresso na agenda do turismo de natureza internacional.

Um portal para que a pujança da agricultura e da indústria hoje existente construa uma relação de força em harmonia com um relicto de valor incalculável, de um registro da natureza que um dia cobriu a totalidade dessa região tão especial.

*Clóvis Borges e Gilson Burigo Guimarães é diretor-executivo da SPVS e Gilson Burigo Guimarães é professor associado do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Fonte: O Eco