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Opinião

Campanha ‘Em nome de que, São Francisco?’ convoca sociedade para proteger um dos principais rios do Brasil

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* André Trigueiro

A contaminação das águas do São Francisco por metais pesados da lama da Vale que vazou em Brumadinho – constatada por técnicos da Fundação SOS Mata Atlântica – inspirou a campanha “Em nome de que, São Francisco?”, lançada no início do mês. Um vídeo especialmente produzido para a campanha mobilizou parte da equipe da novela “Velho Chico”, exibida pela TV Globo em 2016.

Gabriela Lapagesse, editora da ONG Uma Gota no Oceano, preparou esse texto especialmente para a coluna:

“É uma tragédia imensa, continental. É a maior tragédia envolvendo água que já aconteceu no país. Expande o que aconteceu com o Rio Doce e em Brumadinho”. Foi assim que o diretor Luiz Fernando Carvalho, responsável pela supervisão artística da campanha “Em Nome de que, São Francisco?” caracterizou a contaminação por metais pesados que chegou ao rio mais conhecido do país. A campanha, lançada hoje, tem por objetivo convocar a sociedade brasileira para defender o Velho Chico.

Colaborador, desde 2017, da ONG Uma Gota no Oceano – onde dirigiu o vídeo “Saltos Sagrados” e finaliza documentário gravado na Terra Indígena SawréMuybu com o povo Munduruku, às margens do Rio Tapajós – Luiz Fernando Carvalho relembrou a importância do Velho Chico. “Minha relação com o São Francisco vem da infância. Minha família é de origem nordestina e viajava comigo nas férias sempre para lá. Aprendi, ainda criança, a lição de que o São Francisco é o rio da integração nacional, é o nosso maior rio. Ele é essencialmente brasileiro, nasce e morre em território nacional. Cuidar da água é cuidar dos seres humanos”.

Com a informação divulgada pela Fundação SOS Mata Atlântica de que a lama tóxica da barragem de rejeitos da Vale que rompeu em Brumadinho havia chegado aos rios Paraopeba e São Francisco, Uma Gota no Oceano produziu a campanha e Luiz Fernando naturalmente se envolveu no projeto. São mais de 14 milhões de pessoas que serão diretamente afetadas. “Habitam todo o curso do São Francisco quilombolas, ribeirinhos, indígenas, um conjunto enorme de populações invisíveis. A exploração indevida do rio, como a colocação de barragens, acaba por transformar estas vítimas ainda mais invisíveis. É uma tragédia invisível para a população em geral. As pessoas vão deixar de pescar, de se banhar”, comentou o diretor, que levou o compositor, produtor musical e pianista Tim Rescala a fazer parte do projeto, assinando o arranjo para a versão musical, de Padre Irala, da Oração de São Francisco.

“É uma música muito conhecida. Abriu e fechou a novela Velho Chico. Pelo fato de ser conhecida e pelo texto que ela tem, ela toca as pessoas. Vai muito além da Igreja Católica. Só não toca a ganância das empresas”, comentou Tim, que esteve duas vezes em Pirapora, em Minas Gerais, e teve a oportunidade de conhecer populações ribeirinhas que vivem às margens do rio. “Eu vi que o rio move a vida das pessoas. O cidadão comum é vítima”, contou o produtor musical, que, explica, fez o arranjo da Oração de São Francisco rapidamente. “Foi natural. É uma sinfônica, mas tem também viola caipira, acordeão, chega mais perto das pessoas”.

Gabriel Leone, que dá voz ao Rio São Francisco na campanha, ressaltou a importância do projeto. “Foi muito mágico conhecer o rio. Além da beleza natural, a importância dos ribeirinhos, das pessoas, a convivência com elas foi incrível na época da novela. Aceitei este projeto de primeira. É uma causa que me toca muito. Me sinto impotente e penso no que posso fazer, como contribuir minimamente para alertar para essa situação. Ver as imagens do rio, escutar a oração, ler o texto, que é poético, mas ao mesmo tempo de protesto, profundo…. não tive muita escolha na hora de interpretar se não colocar o meu coração nela”, contou o ator, que foi um dos principais personagens da novela Velho Chico e, por isso, esteve algumas vezes no rio.

“Me colocar na pele das pessoas e do rio foi doído. Adoraria enaltecer o rio e falar de coisas bacanas que estão acontecendo. Por todos os encontros que tive ali, representar pessoas que vivem o rio diariamente, não poderia estar mais realizado em participar. Que a comunicação atinja e toque as pessoas, inclusive as que comandam o país”, finalizou.

Um grupo de organizações assina o vídeo, são elas: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Uma Gota no Oceano, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), e Comissão Pastoral da Terra (CPT), além do apoio técnico da Fundação SOS Mata Atlântica.

MAB, APIB e Conaq fizeram uma petição online que será entregue ao ministro do Meio Ambiente, ao ministro de Minas e Energia e ao ministro de Desenvolvimento Regional, pedindo mudanças na Lei de Licenciamento Ambiental do país.

* André Trigueiro é pós-graduado em gestão ambiental e professor de jornalismo ambiental da PUC-RJ.

Fonte: G1