Array
Opinião

O CONAMA não acabou

Array

*Guilherme José Purvin de Figueiredo

Acaba de ser publicado o Decreto Federal n. 9.759, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”.

O que imediatamente se começa a comentar junto ao magistério superior de Direito Ambiental é se o CONAMA estaria sendo extinto.

Dispõe o art. 1º deste decreto:

Art. 1º Este Decreto extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Parágrafo único. A aplicação deste Decreto abrange os colegiados instituídos por:

I – decreto, incluídos aqueles mencionados em leis nas quais não conste a indicação de suas competências ou dos membros que o compõem;

II – ato normativo inferior a decreto; e

III – ato de outro colegiado.

E o art. 5º:

Art. 5º A partir de 28 de junho de 2019, ficam extintos os colegiados de que trata este Decreto.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica aos colegiados:

I – previstos no regimento interno ou no estatuto de instituição federal de ensino; e

II – criados ou alterados por ato publicado a partir de 1º de janeiro de 2019.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA foi instituído pela Lei n. 6.938/81.

Sua finalidade está fixada no art. 6º, inc. II: trata-se de órgão consultivo e deliberativo, com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.

As suas competências, por seu turno, estão previstas no art. 8º da citada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

O novo decreto presidencial extingue, portanto:

a) colegiados criados por decretos ou atos normativos de hierarquia inferior;

b) colegiados “mencionados” em lei:

b.1) nas quais não conste a indicação de suas competências;

ou

b.2) nas quais não conste a indicação dos membros que o compõem.

O CONAMA passa incólume pela primeira regra, pois não foi criado por decreto ou ato normativo inferior.

Passa também pela segunda regra, pois a Lei n. 6.938/81 indica as suas competências e finalidades.

Resta saber se passa pela terceira e último regra: os membros que o compõem estão indicados por lei?

A relação dos membros do CONAMA constava da Lei 7.804/89 e, posteriormente, da Lei 8.028/90.

A partir de 6 de junho de 1990, porém, o art. 7º da Lei 6.938/81 foi revogado e a composição do CONAMA passou a ser definida pelo Decreto n. 99.274, alterado posteriormente pelos Decretos nºs. 99.355, de 1990; 1.523, de 1995; 1.542, de 1995; 2.120, de 1997; 3.942, de 2001; e 6.792, de 2009.

A conjunção alternativa ou dá margem a dúvida sobre a extensão pretendida pelo decreto:

“A aplicação deste Decreto abrange os colegiados instituídos por decreto, incluídos aqueles mencionados em leis nas quais não conste a indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”.

Todavia, seria apressado e leviano cogitar que o Governo Federal acaba de decretar a extinção do CONAMA, dentre outros inúmeros órgãos colegiados que consubstanciam a previsão constitucional da participação democrática.

Cogitar essa hipótese seria acolher uma gravíssima violação do princípio da separação dos poderes.

O que está em discussão é o próprio conceito de regulamentação de lei, que está previsto no art. 84, IV, da Constituição Federal.

Os regulamentos, de que o decreto é uma das mais importantes espécies, são necessários porque nenhuma lei seria capaz de prever e de manter permanentemente atualizadas todas as minúcias relativas à atuação administrativa.

A importância do CONAMA é tamanha que até no Código Brasileiro de Trânsito encontramos disposições a respeito de suas atribuições, como podemos verificar em seu art. 104:

“Os veículos em circulação terão suas condições de segurança, de controle de emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será obrigatória, na forma e periodicidade estabelecidas pelo CONTRAN para os itens de segurança e pelo CONAMA para emissão de gases poluentes e ruído.”

A regulamentação administrativa de uma Lei, como a 6.938/81, é mais do que uma faculdade conferida ao Presidente da República. É um dever constitucional de efetivar a vontade popular expressa na lei.

Os colegiados criados por lei não podem ser extintos pura e simplesmente, senão por outra lei. Trata-se do princípio da simetria das formas, conhecido por qualquer estudante de segundo ano de faculdade de Direito. Podem, sim, ser regulamentados de forma diversa – e aqui o Presidente da República, se assim o desejar, terá a possibilidade de promover mudanças em sua composição, alterando, por exemplo, a representação do Poder Público nesse importantíssimo colegiado, sem a necessidade de afrontar nenhum dos três poderes da República.

*Guilherme José Purvin de Figueiredo é coordenador-geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Fonte: O Eco