Array
Opinião

Londrinos vão pagar taxa alta se quiserem circular no Centro com carros a diesel e velhos

Array

* Amélia Gonzalez

Moradores de Londres vão ter que conviver, a partir de abril deste ano, com mais um ônus devido ao maior desafio imposto à humanidade nesta era. Eles já pagam uma taxa de congestionamento — algo em torno de 11,5 libras, ou seja, perto de R$ 55 — para desestimular a circulação de carros pelo Centro de segunda a sexta das 7h às 18h.

Agora, também com o objetivo de tentar manter o ar um pouco mais limpo de gases poluentes, está sendo criada a Zona de Emissões Ultrabaixas, que consiste em cobrar 12,50 libras (perto de R$ 60) aos proprietários de automóveis que usam óleo diesel fabricados antes de 2015 e os que usam gasolina e foram fabricados antes de 2006. No total, um motorista pode ter que pagar até 24 libras (R$ 113) para circular no Centro de Londres a partir de abril, segundo informações do jornal londrino “The Guardian”.

A ideia do prefeito Sadiq Khan é ampliar o território da cobrança a partir de outubro de 2021, quando a taxa será coletada de carros nas mesmas condições que circulem em qualquer lugar da cidade, numa área delimitada pelas estradas circulares norte e sul. Não se sabe ao certo quantos motoristas serão vítimas da taxa extra, mas estima-se que mais de um milhão.

Os negacionistas e céticos do clima hão de ler esta notícia com distanciamento, é o jeito que têm para lidar com a realidade. Afinal, a eles não compete tomar qualquer atitude, já que não acreditam que as atividades humanas de produção e consumo estejam conduzindo as mudanças do clima e o acúmulo de gases poluentes na atmosfera. O fato, no entanto, serve como alerta. E, ontem mesmo, outra notícia dá conta de que nos Estados Unidos, desde que Donad Trump está no poder aspergindo seu ceticismo sobre as mudanças climáticas, as emissões só têm aumentado. É o segundo maior salto de emissões no território norte-americano em duas décadas.

Aqui no Brasil, com a nova administração federal, que tomou posse em 2019 e que copia o negacionismo do presidente norte-americano, poderemos ter um susto daqui a uns tempos, quando decidirmos medir as nossas emissões no período de Jair Bolsonaro no poder. A conferir.

Voltando ao caso de Londres, o prefeito tomou esta atitude porque a cidade é considerada como aquela que tem o ar mais poluído entre todas as megalópoles europeias. Pelo menos 360 escolas primárias da capital estão em áreas que excedem os níveis de poluição legal. O que se espera, ao reduzir a circulação de automóveis velhos e beberrões é que estas concentrações também sejam reduzidas, em cerca de 45%.

Não se trata de uma atitude isolada. Outras cidades da Inglaterra já aderiram. Mas há vozes contrárias, como se pode imaginar. Uma taxa com valor não irrisório certamente vai atingir os mais pobres, que ficarão à mercê de transportes alternativos para se locomover. Por outro lado, é este também o público mais atingido pelas doenças causadas pelo excesso de gases poluentes na atmosfera. O imbróglio é grande.

Logo, o que está acontecendo, de fato, é o “novo normal”, como bem disse o governador da Califórnia, Jerry Brown, a repórteres no mês passado, comentando sobre os incêndios florestais fatais que assolaram o estado em 2018. E, segundo artigo publicado na revista “Nature”, no início do mês passado, pelos cientistas Yangyang Xu, Veerabhadran Ramanathan e David G. Victor, o aquecimento global está acelerando, fator que foi subestimado no relatório do IPCC divulgado em outubro de 2018. Segundo eles, os próximos 25 anos estão prestes a se aquecer a uma taxa de 0,25ºC a 0,32°C por década. Isto é mais rápido do que os 0,2°C por década que vivenciamos desde a década de 2000 e que o IPCC usou em seu relatório especial.

“Três tendências — aumento das emissões, redução da poluição do ar e ciclos climáticos naturais — se combinarão nos próximos 20 anos para tornar as mudanças climáticas mais rápidas e mais furiosas do que o previsto. Em nossa opinião, há uma boa chance de que possamos romper o nível de 1,5°C até 2030, e não até 2040, conforme projetado no relatório especial. Não se tem lutado o suficiente”, dizem os cientistas no texto.

Terá que ser feito um esforço coletivo para conseguir barrar as más consequências dessa onda nefasta. Os governos vão ter que se preparar para ajudar pessoas que ficarão sem casa ou produções agrícolas, quer seja por seca ou tempestades, assim como terão que lidar também com doenças causadas pelo excesso de calor.

“O aquecimento rápido criará uma maior necessidade de políticas de emissões que produzam as mudanças mais rápidas no clima, como controles de fuligem, metano e gases de hidrofluorcarbono (HFC). Pode até haver um caso para a geoengenharia solar — resfriar o planeta, por exemplo, semeando partículas reflexivas na estratosfera para agir como um guarda-sol”, dizem os cientistas.

Mas tais medidas não poderão ser tomadas pelos mais pobres, porque são muito caras.

Em resumo, o que o cientista chinês Yangyang Xu e o indiano Veerabhadran Ramanathan dizem bem claramente no texto publicado na “Nature” é que os cientistas do IPCC precisam dar mais subsídios para que os tomadores de decisão em políticas públicas encarem com mais seriedade dos alertas do clima.

“A pesquisa deve ser integrada entre os campos e as partes interessadas: planejadores urbanos, gestão de saúde pública, agricultura e serviços ecossistémicos. Mais planejamento e custos são necessários”, dizem eles.

Londres está abrindo caminho para uma mudança de atitude severa, que pode impactar bastante a vida dos mais pobres. Oxalá os administradores tenham se lembrado de viabilizar mais opções para a mobilidade urbana que não impactem o meio ambiente e levem em conta a necessidade de as pessoas se locomoverem.

* Amélia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1