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Opinião

Cadê os insetos que estavam aqui?

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*Marc Dourojeanni

Uma publicação de alguns dias informa, didaticamente, o que pode estar acontecendo no mundo dos insetos. E o que explica, além de ser plausível, é tão impressionante quanto assustador. Em essência, o artigo descreve que em menos de um século a biomassa, ou seja, o peso total dos insetos, foi drasticamente reduzido no nível regional, nacional e possivelmente mundial. Todos já conhecem o caso das abelhas e suas consequências. Mas o desaparecimento maciço de insetos “benéficos”, “nocivos” ou “inócuos”**, todos juntos, é o anúncio de um desastre ecológico e, portanto, humano, de tal magnitude que nenhum economista ou sociólogo poderia ousar calcular ou prever.

Em resumo, o jornalista reviu informações científicas e entrevistou especialistas que argumentam que as populações de insetos estão diminuindo de forma alarmante em todos os lugares onde o fenômeno foi estudado. A evidência mais impressionante veio de uma sociedade de entomologistas de Krefeld (Alemanha) cujos membros, intrigados com o que parecia ser uma tendência para a redução de insetos voadores, decidiram abordar diretamente a questão graças a registros de coleções massivas muito antigas, incluindo centenários. Verificaram, em resumo, que na atualidade coletam quantidades de insetos medidas em peso, várias vezes inferiores, ao que décadas antes foi coletado, exatamente nos mesmos lugares e com as mesmas técnicas. Outros estudos chegaram às mesmas conclusões. No artigo, o autor explica a razão pela qual este fenômeno passou tão despercebido e analisa suas implicações para a humanidade. A conclusão é que, se este processo também ocorre em outras regiões do planeta, o que parece ser o caso, todos os processos biogeoquímicos que sustentam a vida na Terra seriam afetados e, muito possivelmente, o fato teria um impacto direto e negativo sobre o futuro da humanidade. Uma ameaça que estimam ser tão grave quanto a da mudança climática, à qual pode estar associada.

A primeira reação a esta nota pode ser algo como… Que boa notícia! É bem sabido que os insetos são o maior concorrente da humanidade no que concerne a alimentos. Os insetos consomem talvez a metade da produção agrícola mundial, tanto no campo como após a colheita. Isso obriga a se usar enormes volumes de inseticidas, o que gera a cada ano perdas e gastos de muitos bilhões de dólares. Também é bem conhecida a enorme importância de insetos como transmissores ou vetores de doenças graves, como febre amarela, malária, doença de Chagas, doença do sono ou, para ser mais atual, dengue, Chikungunya e Zika. Milhões de pessoas morrem todos os anos de doenças transmitidas direta ou indiretamente por insetos e bilhões de dólares são usados ​​para preveni-las, combatê-las ou curar os enfermos. Ou seja, se a população de insetos diminuir drasticamente, pode se supor que haverá mais alimentos para as pessoas e menor risco de contrair doenças. É isto verdade?

Acontece que, independentemente dos impactos acima citados como “prejudiciais”, uma parte considerável dos hexápodes são “benéficos”, ou seja, são úteis para a humanidade de muitas maneiras que, quase sempre, são desconhecidas ou desconsideradas. O primeiro papel benéfico de insetos para com os humanos é impedir a proliferação de insetos e outros animais “nocivos” que comem as plantas e produtos que o ser humano quer e também, em grande medida, os insetos que são vetores de doenças. Ou seja, sem o exército silencioso, extremamente especializado e sumamente eficiente de insetos predadores e parasitas, os “prejudiciais” proliferam tanto e tão rapidamente que a humanidade estaria entre a morte por fome e a morte por envenenamento devido ao uso excessivo de pesticidas… o que , a propósito, já está acontecendo. E, é preciso salientar que, além de seus inimigos naturais, as “pragas” são controladas por outras “pragas”, que tiram seus alimentos e limitam o seu espaço vital. Dito de outro modo, os competidores ou concorrentes das “pragas”, embora possam ser “pragas” também, podem se tornar aliados dos humanos, ou seja, “benéficos”… Isto mesmo, a ecologia é muito complicada e é dominada pela relatividade.

Outra função dos insetos que é mal compreendida é a dos “inócuos”, que, às vezes, são chamados de “inofensivos”, assim denominados apenas porque muitos não sabem para o que servem. Este enorme grupo de insetos inclui os atores iniciais e fundamentais da decomposição da matéria orgânica, que é indispensável para completar os ciclos biogeoquímicos. Sem a contribuição dos insetos, o processo seria extraordinariamente lento. Tanto que faltariam nutrientes críticos para os próximos elos nas cadeias tróficas. É difícil saber exatamente o que iria acontecer, mas provavelmente a velocidade da vida sem insetos seria muito reduzida e aconteceria em “câmera lenta”, com implicações para a produtividade dos ecossistemas, incluindo a perda de fertilidade do solo e menor crescimento de plantas. Por outro lado, os insetos são fatores-chave da seleção natural e, portanto, da evolução. Sem eles, a vida na terra não se pareceria com o que é hoje.

Mais conhecido, aliás, é o papel benéfico dos insetos na polinização. Mas esta fama existe especialmente em termos de abelhas domesticadas, que são uma pequena fração do grande número de espécies de insetos polinizadores. Deve ser lembrado que qualquer planta que tenha flores precisa ser polinizada, porque sem ela não há reprodução, nem fruto e nem sementes e, finalmente, não haveria novas plantas. E este é o trabalho de uma infinidade de insetos especialmente voadores, que, de acordo com o artigo que é comentado, são os que mais diminuíram. Em suma, um mundo sem insetos seria um mundo meio morto.

É curioso recordar que, sendo os insetos animais exagerados, tanto em diversidade como em biomassa ‒ seu peso poderia superar o de todos os vertebrados juntos ‒ houve alguém que considerou viável que se convertam em uma futura fonte de alimentos de boa qualidade para a humanidade. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e vários especialistas especularam seriamente sobre a possibilidade. A recente revelação de que os insetos estão desaparecendo do nosso mundo ataca diretamente a especulação que, apesar de sua racionalidade, não encorajou ninguém a mudar o cardápio diário.

Além disso, devido à sua diversidade monumental ‒ estima-se que existam de 10 a 30 milhões de espécies, das que só se registrou um milhão ‒ e, especialmente, o pouco conhecimento e quase nenhuma simpatia que por eles têm a maioria dos humanos, os insetos não foram objeto de estudos detalhados no que diz respeito aos riscos de extinção. Nas famosas listas vermelhas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) se mencionam poucas dúzias de insetos ameaçados e, apenas em poucos países, talvez algumas centenas. Nada sequer aproximado às listas infelizmente intermináveis ​​de mamíferos, aves, répteis e anfíbios ameaçados. No entanto, como mencionado, existem apenas milhares de vertebrados no mundo versus milhões de espécies de insetos que, devido a seu pequeno tamanho e grande especiação, estão frequentemente restringidos a habitats e ecossistemas muito localizados. Ou seja, boa parte das espécies de insetos já deve ter-se extinguido antes de ser classificada, levando-se em conta a velocidade da destruição do mundo natural.

Não se sabe qual é a causa do fenômeno observado ou, de fato, sua magnitude. Obviamente, especula-se que é uma consequência da poluição ambiental geral e da destruição dos ecossistemas naturais, bem como da extrema simplificação daqueles que são antrópicos. Em estudos europeus enfatiza-se que, em quase todos os casos, os locais de coleta de dados estão inevitavelmente próximos aos campos de cultivo onde os pesticidas são usados. Mas a culpa não deve ser apenas dos pesticidas e sim também de milhares de poluentes químicos de todos os tipos produzidos pela atividade humana. O problema também está correlacionado à mudança climática, já que os insetos têm mais dificuldade em se adaptar do que os vertebrados. Muito provavelmente todas as causas estão associadas.

O que é importante notar é que, em qualquer caso, o desaparecimento de insetos não será abrupto ou facilmente percebido pelas pessoas comuns. É até provável que as pragas sejam maiores, mais frequentes e agressivas e mudem, antes que a falta global de insetos afete toda a vida na Terra. Em conclusão, o artigo não dá conclusões nem pode dá-las. É apenas um bom indicador de outra ameaça provável para o futuro humano.

*O autor é doutor em entomologia. No começo da década de 1970 foi presidente da Sociedade Entomológica do Peru.

**Os insetos não são benéficos, nocivos (daninhos ou prejudiciais) ou inócuos (inofensivos). Esses qualificadores apenas representam o ponto de vista humano. Na realidade, insetos, como todos os animais e plantas, sempre desempenham um papel importante no ecossistema. As “pragas” se formam porque os seres humanos fazem algumas plantas proliferarem anormalmente e, na natureza, essa expansão anormal deve ser controlada. Não há insetos bons e ruins. E, tampouco existem insetos inócuos… todos tem uma função na natureza.

*Marc Dourojeanni é consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interamericano de Desenvolvimento e fundador da ProNaturaleza.

Fonte: O Eco