Opinião

O meio ambiente em uma semana de pura ideologia

*Aldem Bourscheit

Brasília (DF) – Governar sem ideologia foi uma das principais promessas de Bolsonaro em sua campanha à Presidência e discurso de posse. Na prática, são outros quinhentos. Afinal, de simples cidadãos a lideranças políticas, todos têm nesse conjunto de ideias um fio condutor de seus pensamentos e ações. E, com base nessa visão de mundo, há sinais, fortes sinais, de ampliação na agenda de retrocessos legislativos e políticos para o setor socioambiental já nessa primeira de governo.

Da estrutura do Ministério do Meio Ambiente foram extirpados o Serviço Florestal Brasileiro e a Agência Nacional de Águas. Estão agora atrelados, respectivamente, aos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Regional. Além disso, não há mais um tratamento claro para temas como da conservação de peixes de interesse da pesca, da Educação Ambiental, do controle do desmatamento e da ampliação do saneamento e, ainda, do combate às mudanças do clima e à desertificação – justo quando esses fenômenos ganham força no país e no mundo.

Do novo esqueleto do órgão ambiental federal, também sobressaem as secretarias de Florestas e de Ecoturismo, essa abrigando inclusive uma diretoria de Comunicação, mesmo que o Ministério do Meio Ambiente já disponha de equipe para tanto. Além disso, fica a dúvida sobre como tais estruturas trarão benefícios para as agendas do setor e quanto a como atuarão sem trombar com as funções de outros ministérios ou autarquias, como Ministério do Turismo e Serviço Florestal Brasileiro, esse agora abrigado no Ministério da Agricultura. Perguntas que poderiam ter sido respondidas na posse do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, na última quarta (2), mas a mesma aconteceu de portas fechadas à imprensa.

Tais medidas foram gestadas durante a transição de governo por uma equipe capitaneada por Evaristo de Miranda, pesquisador da Embrapa cujo nome ganhou amplitude nacional ao garantir uma base técnica para que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) reduzisse a proteção de florestas em imóveis privados. Além do enfraquecimento político do Ministério do Meio Ambiente, tais mudanças podem resultar em novos cortes no orçamento da área ambiental, historicamente entre os mais baixos da Esplanada dos Ministérios, além da redução em doações e investimentos externos no setor.

Também usando atalhos legislativos como decretos e medidas provisórias, o governo Bolsonaro também entregou ao Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas e a titulação de territórios quilombolas, funções tradicionalmente exercidas pela sucateada Fundação Nacional do Índio (Funai) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao mesmo tempo, a Funai foi confiada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves.

Pastora evangélica e ex-assessora do aspirante a ministro Magno Malta (PR-ES), Damares ajudou a fundar a organização não governamental Atini – Voz pela Vida, em 2006. A entidade é acusada por Ministério Público Federal e indigenistas de tráfico e sequestro de crianças e incitação ao ódio contra indígenas. Damares se afastou da Atini em 2015. Apontada por alguns como retardada, por afirmações como ter visto Jesus trepado numa goiabeira, e, por outros, como perigosa estrategista política, capaz de tecer discursos bem ao gosto do conservadorismo nacional, será a responsável pelo destino das inúmeras etnias indígenas espalhadas pelo país.

Em seu Twitter, Bolsonaro afirmou que “Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”. É o velho e perigoso discurso do “muita terra para pouco índio”, que tanta violência e injustiça semeou na história do país. Em carta de 3 de Janeiro, lideranças indígenas lembraram ao Presidente que esses povos têm uma relação diferente da nossa com os territórios onde vivem e que as “terras indígenas têm um papel muito importante para manutenção da riqueza da biodiversidade, purificação do ar, do equilíbrio ambiental e da própria sobrevivência da população brasileira e do mundo”. Tudo garantido pela Constituição Federal.

Muitas das medidas impostas pelo governo Bolsonaro precisarão de sinal verde do Congresso Nacional para sua conversão em lei. Entre elas, a Medida Provisória 870. Publicada no primeiro dia do ano, deu poderes à Secretaria de Governo da Presidência da República para “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) avisou que a medida fere a Constituição. Mas essa pedra pode sair do caminho. Afinal, Presidente e ministros distribuem afagos a Rodrigo Maia, que deve seguir à frente da Câmara dos Deputados. Já o senador Major Olímpio (PSL-SP) é o preferido de Bolsonaro para comandar o Senado e, assim, o Congresso Nacional.

Na prática, alguns atos de Bolsonaro e sua trupe começam a dar corpo a projetos de lei que tramitam na Câmara e Senado para enfraquecer a legislação socioambiental. Um deles é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que delega ao Congresso exclusividade para demarcar territórios indígenas e quilombolas e para criar Parques Nacionais e outras Unidades de Conservação da natureza. O texto vinha enfrentando forte resistência da Academia e da Sociedade Civil organizada. Agora, a demarcação de terras indígenas dependerá de aval do Ministério da Agricultura, e poderá ser congelada.

À frente do Ministério está a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), que até Novembro passado liderou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A Bancada Ruralista e a parlamentar foram as principais articuladoras de projetos de lei para facilitar a importação e ampliar o uso de agrotóxicos na produção de alimentos, para afrouxar as regras do licenciamento ambiental, seja de atividades produtivas ou de obras de infraestrutura, e para barrar a destinação de territórios para quilombolas, indígenas e conservação da natureza . Como ministra, Cristina já avisou que irá priorizar as pautas da FPA, focadas em afrouxar a legislação socioambiental para ampliar poder e área ocupada pelo agronegócio.

Um temporal de medidas polêmicas contra Direitos Humanos e Trabalhistas, Meio Ambiente e outros temas vistos como entraves a um modelo de economia e de sociedade que a ideologia dominante quer impor ao país será rotina do governo Bolsonaro, com maior ou menor participação do Congresso Nacional. Além de organização para resistência dentro dos limites da Democracia, será preciso olho vivo nas ações que correrão longe dos holofotes e que, como passageiros de um Cavalo de Troia, poderão corroer de vez as estruturas de proteção das populações mais vulneráveis e da natureza, todas construídas ao longo de décadas.

*Aldem Bourscheit é jornalista