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Opinião

Indústria de cimento coloca em risco mananciais de água em São Paulo

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*Guilherme José Purvin de Figueiredo

A 40 km ao sul da Praça da Sé, em São Paulo, em Itapecerica da Serra, podemos nos deparar com bugios, esquilos, veados, capivaras e até mesmo onças soltas na natureza. Contrariando todas as expectativas, há ainda por ali centenas de tipos de aves, répteis e um número incalculável de espécies vegetais características do bioma Mata Atlântica.

Há 50 anos, aquela cidade ainda guardava as características de uma pequena aldeia. A sua igreja católica dava certa coesão cultural e fomentava o turismo religioso com as festas de Corpus Christi, quando as poucas ruas da cidade eram enfeitadas com tapetes feitos de serragem colorida sobre os quais os fiéis passavam em procissão.

Esse aspecto socioambiental da região desapareceu. Itapecerica foi impactada à época em Jânio Quadros, prefeito da capital paulista, preocupado com a “estética urbana” (estou sendo irônico), empurrou a população carente para os limites geopolíticos do seu município.

Desencadeou-se então uma rápida e assustadora transformação da paisagem na Estrada de Itapecerica. Nos anos 1990 todo o verde naquela estrada deu lugar a uma gigantesca mancha de deserto cinzento que corresponde a Valo Velho, Parque Paraíso, Juquitiba, Capão Redondo, Taboão da Serra, Embu das Artes, Embu Guaçu, São Lourenço da Serra etc.

É quase inexplicável, mas apesar de tudo isso, em determinada região de Itapecerica remanesce um precioso fragmento da outrora tão rica biodiversidade do entorno da região sul de São Paulo. Ali se refugiam os últimos exemplares ainda vivos de várias espécies da fauna ameaçados de extinção.

O verde intocado é esse que possibilita ao Governo do Estado de São Paulo a gestão de um sistema de abastecimento de águas para uma população estimada de mais de 20 milhões de pessoas. Por essa razão, o Poder Legislativo Paulista editou desde a década de 1970 uma série de leis destinadas à proteção de seus mananciais de água.

A importância estratégica da região, para fins de preservação dessa biodiversidade, seja para a preservação de condições microclimáticas adequadas para a vida humana, seja para a captação de água potável, é gigantesca. Cem por cento do município de Itapecerica da Serra encontra-se em área de preservação dos mananciais.

No entanto, bem em cima do divisor de águas das bacias do Guarapiranga e do Ribeira, há muitos anos ocorrem violentas explosões que chegam a ser ouvidas pela população num raio de quase 10 km.

Nessas ocasiões, os pássaros voam assustados e as famílias de bugios se encolhem abraçadas nas árvores. As explosões ocorrem numa região chamada Itaquaciara, mais precisamente na Estrada Abias da Silva. Ali, a empresa Votorantim Cimentos S/A abre um gigantesco rombo na paisagem. Não satisfeita com a exploração que já fez, agora pretende ampliar suas atividades, o que significará destruir de forma irreversível aproximadamente trinta e cinco preciosos mananciais de água, tanto da bacia que abastece paulistas (Guarapiranga) como da que serve os paranaenses (Ribeira).

No final da tarde fria e chuvosa do dia 6 de agosto de 2018, moradores da região de Itapecerica da Serra participaram de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo destinada a debater esse polêmico processo de licenciamento da Votorantim Cimentos, que só agora começa a ganhar efetivamente publicidade.

Adriana Abelhão, moradora da região e integrante do Movimento Preservar Itapecerica, conseguiu lotar o Plenário Tiradentes da ALESP naquele dia cinzento, levando não apenas representantes da região, mas também da área jurídica. Com a presença de Vera Jucovsky, diretora da AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, de José Nuzzi Neto, presidente eleito do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da APRODAB – Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, bem como da professora Elisabeth de Almeida Meirelles, da Faculdade de Direito da USP, a audiência contou ainda com a presença de um funcionário da CETESB (a agência ambiental paulista). O que mais chamou a atenção na audiência pública, porém, foi a ostensiva ausência de representantes da maior interessada, a empresa Votorantim Cimentos. A empresa se limitou a enviar ofício afirmando que o pedido de licenciamento encontra-se em processamento. Referiu-se a uma audiência pública do EIA-RIMA em 14/12/2017, tão mal divulgada que nem sequer os membros do conselho municipal de meio ambiente ficaram sabendo de sua realização. Por isso, concluiu que não tinha nada para fazer ali naquela reunião.

A ausência da Votorantim Cimento a essa audiência pública na sede do Legislativo Paulista é um indicativo bastante claro de seu descaso para com a população e de sua certeza de que, dentro do quadro político atual, conseguirá atingir seu objetivo de expansão do desastre ambiental e ampliação de seus lucros.

Medidas mitigadoras para o dano? Limito-me a mencionar duas delas, deixando ao leitor que tire suas próprias conclusões: (1) A empresa promete que contratará um biólogo para afugentar os animais que resistirem; (2) As águas envenenadas pelo resíduo da mineração, formadas pelo corte dos veios de mananciais destruídos, receberão o nome de “reservatório”. Não há muito mais o que falar… Afinal, eles são os donos da dinamite.

A 40 km ao sul da Praça da Sé, em São Paulo, em Itapecerica da Serra, podemos nos deparar com bugios, esquilos, veados, capivaras e até mesmo onças soltas na natureza. Contrariando todas as expectativas, há ainda por ali centenas de tipos de aves, répteis e um número incalculável de espécies vegetais características do bioma Mata Atlântica.

Há 50 anos, aquela cidade ainda guardava as características de uma pequena aldeia. A sua igreja católica dava certa coesão cultural e fomentava o turismo religioso com as festas de Corpus Christi, quando as poucas ruas da cidade eram enfeitadas com tapetes feitos de serragem colorida sobre os quais os fiéis passavam em procissão.

Esse aspecto socioambiental da região desapareceu. Itapecerica foi impactada à época em Jânio Quadros, prefeito da capital paulista, preocupado com a “estética urbana” (estou sendo irônico), empurrou a população carente para os limites geopolíticos do seu município.

Desencadeou-se então uma rápida e assustadora transformação da paisagem na Estrada de Itapecerica. Nos anos 1990 todo o verde naquela estrada deu lugar a uma gigantesca mancha de deserto cinzento que corresponde a Valo Velho, Parque Paraíso, Juquitiba, Capão Redondo, Taboão da Serra, Embu das Artes, Embu Guaçu, São Lourenço da Serra etc.

É quase inexplicável, mas apesar de tudo isso, em determinada região de Itapecerica remanesce um precioso fragmento da outrora tão rica biodiversidade do entorno da região sul de São Paulo. Ali se refugiam os últimos exemplares ainda vivos de várias espécies da fauna ameaçados de extinção.

O verde intocado é esse que possibilita ao Governo do Estado de São Paulo a gestão de um sistema de abastecimento de águas para uma população estimada de mais de 20 milhões de pessoas. Por essa razão, o Poder Legislativo Paulista editou desde a década de 1970 uma série de leis destinadas à proteção de seus mananciais de água.

A importância estratégica da região, para fins de preservação dessa biodiversidade, seja para a preservação de condições microclimáticas adequadas para a vida humana, seja para a captação de água potável, é gigantesca. Cem por cento do município de Itapecerica da Serra encontra-se em área de preservação dos mananciais.

No entanto, bem em cima do divisor de águas das bacias do Guarapiranga e do Ribeira, há muitos anos ocorrem violentas explosões que chegam a ser ouvidas pela população num raio de quase 10 km.

Nessas ocasiões, os pássaros voam assustados e as famílias de bugios se encolhem abraçadas nas árvores. As explosões ocorrem numa região chamada Itaquaciara, mais precisamente na Estrada Abias da Silva. Ali, a empresa Votorantim Cimentos S/A abre um gigantesco rombo na paisagem. Não satisfeita com a exploração que já fez, agora pretende ampliar suas atividades, o que significará destruir de forma irreversível aproximadamente trinta e cinco preciosos mananciais de água, tanto da bacia que abastece paulistas (Guarapiranga) como da que serve os paranaenses (Ribeira).

No final da tarde fria e chuvosa do dia 6 de agosto de 2018, moradores da região de Itapecerica da Serra participaram de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo destinada a debater esse polêmico processo de licenciamento da Votorantim Cimentos, que só agora começa a ganhar efetivamente publicidade.

Adriana Abelhão, moradora da região e integrante do Movimento Preservar Itapecerica, conseguiu lotar o Plenário Tiradentes da ALESP naquele dia cinzento, levando não apenas representantes da região, mas também da área jurídica. Com a presença de Vera Jucovsky, diretora da AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, de José Nuzzi Neto, presidente eleito do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública e da APRODAB – Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil, bem como da professora Elisabeth de Almeida Meirelles, da Faculdade de Direito da USP, a audiência contou ainda com a presença de um funcionário da CETESB (a agência ambiental paulista). O que mais chamou a atenção na audiência pública, porém, foi a ostensiva ausência de representantes da maior interessada, a empresa Votorantim Cimentos. A empresa se limitou a enviar ofício afirmando que o pedido de licenciamento encontra-se em processamento. Referiu-se a uma audiência pública do EIA-RIMA em 14/12/2017, tão mal divulgada que nem sequer os membros do conselho municipal de meio ambiente ficaram sabendo de sua realização. Por isso, concluiu que não tinha nada para fazer ali naquela reunião.

A ausência da Votorantim Cimento a essa audiência pública na sede do Legislativo Paulista é um indicativo bastante claro de seu descaso para com a população e de sua certeza de que, dentro do quadro político atual, conseguirá atingir seu objetivo de expansão do desastre ambiental e ampliação de seus lucros.

Medidas mitigadoras para o dano? Limito-me a mencionar duas delas, deixando ao leitor que tire suas próprias conclusões: (1) A empresa promete que contratará um biólogo para afugentar os animais que resistirem; (2) As águas envenenadas pelo resíduo da mineração, formadas pelo corte dos veios de mananciais destruídos, receberão o nome de “reservatório”. Não há muito mais o que falar… Afinal, eles são os donos da dinamite.

*Guilherme José Purvin de Figueiredo é Coordenador Geral da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil

Fonte: O Eco