Opinião

Ameaça no vetor sul

*Dalce Ricas
O megaempreendimento CSul, que prevê implantar uma cidade com cerca de 220 mil habitantes no Vetor Sul de Belo Horizonte, até agora passou despercebido da imprensa e da maior parte da sociedade. No entanto, seu potencial de impactos ambientais pode ser muito maior do que os causados pela ruptura da barragem da Samarco. Mas nunca gerará imagens feias e chocantes como a lama derramada na Bacia do Rio Doce. Serão gradativos e aparentemente pouco perceptíveis.

Começarão pela supressão de grandes áreas de preciosos e raros ecossistemas associados à Mata Atlântica, especialmente de campos ferruginosos. Depois, começarão as construções. E quanto mais avançar a ocupação, mais pessoas serão atraídas para a região em busca de oportunidades.

O empreendedor alega que isso não acontecerá porque a cidade terá área para moradias de baixa renda. Prefeitura e Estado argumentam que o propósito do empreendimento é ordenar o crescimento do município. Os argumentos chegam a ser ridículos e desprovidos de realidade. A CSul atrairá pessoas em busca de emprego, que não irão morar dentro da cidade, e não há um exemplo neste país que o poder público tenha controlado a ocupação do solo em torno de empreendimentos com este potencial de atração.

Não é preciso ir longe para conferir isso. Há dois casos bem perto: a fábrica da Coca-Cola, implantada em 2011. Neste ano, havia cerca de 266 moradias em torno da Lagoa de Água Limpa. Em 2016, quase 2.500. Governo do Estado e prefeituras de Nova Lima e Itabirito nada fizeram e hoje a situação beira à insolubilidade.

O outro é o bairro Jardim Canadá, erguido sobre uma imensa dolina, gigantesca recarga de aquífero, onde, na época de chuva, formavam-se imensas lagoas pelo afloramento dos lençóis freáticos, povoadas por aves migratórias. Ela foi soterrada, com estímulo da prefeitura de Nova Lima e silêncio do governo do Estado. O bairro formou-se no rastro dos grandes condomínios da região, como o Alphaville. Cabe perguntar: se a prefeitura nunca impediu crescimento desordenado no município, por que mudaria sua postura agora?

É desanimador lembrar que o licenciamento ambiental continue sendo feito de forma pontual, sem considerar efeitos radiais, proteção de ambientes naturais e disponibilidade de água, que já no presente é problema. E num cenário futuro de demanda por mais alguns milhares de pessoas e aumento da degradação dos aquíferos, é óbvio que não haverá água para todos.

Ignora-se também o potencial de impactos sobre unidades de conservação existentes na região: Parque Rola-Moça, monumentos naturais das Serras da Calçada e da Moeda, estações ecológicas de Fechos e Aredes, e diversas RPPNs, conectadas por áreas naturais, não protegidas legalmente e sujeitas à ocupação e à destruição. Se ficarem isoladas umas das outras, não resistirão aos impactos.

E acredite quem quiser: ouvimos mais de uma vez que sem a CSul a região será ocupada de forma desordenada. Como se o poder público não tivesse obrigação de impedir isso. Fico em dúvida entre ameaça e ironia.

Há resistência ao empreendimento por parte de vários setores da sociedade e comunidades do segmento sul da RMBH e até por parte da iniciativa privada. Mas parece claro que a Prefeitura de Nova Lima quer o empreendimento de qualquer jeito e tem apoio do governo estadual, que classificou o empreendimento como prioritário. A prioridade mais uma vez é econômica, pois se assim não fosse, esse licenciamento seria apenas parte do planejamento e de ações executadas para uso correto do solo e proteção dos valiosos ativos ambientais (água, fauna, flora e paisagem) do Vetor Sul de BH.


*Dalce Ricas é superintendente executiva da Amda

Fonte: revista Ecológico