Opinião

Aterrando mangues e destruindo o futuro

*Maria Tereza Pádua

Com o novo Código Florestal brasileiro, Lei 12.651 de cinco de maio de 2012, vitória de ruralistas e derrota dos ambientalistas, tudo fica mais fácil para se usar as áreas de preservação permanente definidas pela Lei, que abre muitas brechas, inclusive para os mangues e áreas de restingas. Antes do advento da lei, ora em vigor, duvido que as autoridades constituídas do Rio de Janeiro teriam permitido aterrar o Campo da Fé em área reconhecida como de "preservação permanente em toda sua extensão". Porém com tantas excepcionalidades para o "interesse social" e para a "utilidade pública" parece que tudo se consegue.

A providência divina ou as forças da natureza agiram e tudo se tornou como seria de esperar, uma área alagada e barrenta. Quanto dinheiro jogado fora e quanta vida marinha perdida já que o mangue é o berço de muitas espécies vivas entre mamíferos, aves, peixes, moluscos e crustáceos, indispensáveis para as populações costeiras que dele extraem seus alimentos. Os mangues são responsáveis ainda pela produtividade primária das zonas costeiras. Produzem expressiva quantidade do alimento que o homem pesca. Além do mais são filtros para os sedimentos que se encaminham para o mar e bancos genéticos indispensáveis para reflorestamento, que evitam ou minimizam a presença de metais pesados em áreas similares.

Embora o assunto no Campo da Fé tenha chamado a atenção e agora as autoridades responsáveis comecem a se pronunciar, resulta evidente, no Brasil, que nem é mais preciso se esconder para aterrar mangues ou outras áreas de preservação permanente. Tudo é executado na frente de todos. Não há mais medo. Aterra-se e pronto.

Destruição em Floripa

Vivo em Florianópolis, cidade que é considerada a melhor capital para se viver no nosso país, que está em região de produção de ostras, com 95% da produção brasileira, com criações de vieiras, mexilhões e outras, onde as baleias francas veem parir e amamentar seus filhotes, onde existe a pesca de milhares de toneladas de tainha e de anchova anualmente. Isso acontece não obstante o fato de que grande parte da expansão urbana das quatro ou cinco últimas décadas tenha sido feita principalmente sobre os manguezais ou sobre restingas e dunas. Bairros inteiros se levantaram sobre mangue, como no caso de Daniela, mesma situação de enormes shoppings e hotéis. Estes fatos deram lugar a escândalos, é verdade, entretanto não impediram a sua construção nem seu funcionamento. E tudo continua igual. Por exemplo, agora, na sombra de um shopping se está terminando de saturar o pouco de mangue que restou nos lados da rodovia 401. No final, desparecerão os cinco grandes manguezais da Ilha de Santa Catarina: Ratones, Saco Grande, Itacorubi, Rio Tavares e Tapera, que já estão reduzidos à sua mínima expressão. E com eles, muito da riqueza do litoral da ilha.

Para salvar alguma coisa dos mangues, os pescadores e os cientistas conseguiram, com grande dificuldade, estabelecer algumas reservas, como a Estação Ecológica dos Carijós e a Reserva Extrativista Pirajubaé. Vã Ilusão. Ambas estão sendo corroídas pelas bordas por invasores e impactadas pela contaminação. Pior ainda, o próprio governo participa da destruição com a sempiterna desculpa da utilidade pública.

Esse caso atual ocorre na Reserva Extrativista Marinha de Pirajubaé, onde se está fazendo uma ampla duplicação da estrada que leva até o aeroporto Hercílio Luz. E, aproveitando da ocasião, também se está construindo, em área de mangue, escolas e creches, prometidas por políticos certamente. Ninguém se opõe a melhores estradas e infraestrutura de educação. Porém, tinha-se que destruir manguezais e áreas verdes para isso? A estrada cruza aonde há um grupo organizado de pescadores, os mesmos que conseguiram estabelecer a Reserva, e extraem os berbigões tão típicos de Santa Catarina. As fotos tiradas agora para esta coluna provam o que aqui se diz.

E depois como vão ser as inundações? Como manter o fluxo das águas tão vital para o mangue? Quem vai pagar pelas sequelas? Porque ostreicultores e demais pescadores não protestam? Eles serão os primeiros a sentirem os prejuízos. Não importa, pois isto é o futuro e o que interessa é o agora. Ninguém pensa nas sequelas ou dimensiona os prejuízos sociais e ambientais. Já estamos conseguindo praticamente acabar com todos os mangues e restingas do Brasil, que naturalmente ocorriam do Amapá até Santa Catarina.

Outra vez digo: ninguém parece prestar atenção ou se importar. O que aconteceu com o Campo da Fé foi um bendito exemplo das consequências de se ir além da lei e das regras da natureza. Chamou a atenção pela irresponsabilidade e desmandos de autoridades. Quem sabe foi algo para se chamar atenção com relação à desenfreada destruição dos mangues? Quem sabe se esse incidente evitará outros desastres?

*Maria Tereza Pádua é engenheira agrônoma e fundadora da Funatura, membro do Conselho da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.

Fonte: O Eco