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93% das bacias do Cerrado devem sofrer redução de água até 2050

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93% das bacias do Cerrado devem sofrer redução de água até 2050
Rio Araguaia é um dos que nascem no Cerrado.

O Cerrado, bioma considerado o berço das águas e a caixa d’água do Brasil, pode perder um terço da sua vazão de água até 2050. A principal causa disso é a converção da vegetação nativa em monoculturas e pastagens, revelou levantamento promovido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). De acordo com o estudo, 93% das bacias devem sofrer com redução na disponibilidade hídrica nas próximas décadas.

A pesquisa, em fase de revisão pela revista científica Sustainability, analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas do Cerrado entre 1985 e 2022. Os resultados mostram que a perda de água no bioma pode chegar a 23.653 metros cúbicos por segundo (m³/s) em 28 anos. Essa quantidade equivale à vazão de oito rios Nilo.

Cerca de 88% dos rios estudados já sofreram diminuição do fluxo devido às intensas mudanças no uso do uso do solo na área de abrangência das bacias hidrográficas. Entre os casos mais críticos está o rio Corda, no Maranhão. Ele pode se tornar intermitente nos próximos anos se o desmatamento continuar no ritmo atual.

O rio Arrojado e o rio de Ondas, na Bahia, enfrentam situação análoga. Junto do rio Corda, eles abastecem comunidades locais e o agronegócio, que ocupa imensas áreas na região do Matopiba, fronteira agrícola que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Enquanto comunidades tradicionais, pescadores e agricultores familiares sofrem com a escassez hídrica, o agronegócio capta 1,8 bilhão de litros de água por dia de maneira gratuita no oeste baiano. Esse volume de água é o suficiente para abastecer cerca de 11,8 milhões de brasileiros, revelou investigação da Agência Pública.

Para Yuri Salmona, geógrafo, doutor em Ciências Florestais pela Universidade de Brasília e responsável pela pesquisa, os controles local, regional e nacional das águas do Cerrado foram substituídos por atores que dominam a cadeia global de produtos agropecuários. Isso significa que a água do rio, em vez de beneficiar a população, está sendo controlada por empresas do agro que desviam o fluxo hídrico para irrigação e enviam água para importadores em forma de commodities, como soja e carne bovina.

Leia também: Cerrado pode entrar em colapso nos próximos 30 anos

Desmatamento é o vilão

O estudo destaca que a expansão da agricultura para produção de commodities e a escassez de água estão diretamente ligadas. Os resultados mostram que as mudanças climáticas contribuíram com 43% da redução da vazão no bioma, enquanto o desmatamento foi responsável por 56% do impacto negativo sobre as águas.

Embora a crise climática afete a disponibilidade de água, os autores do estudo ressaltaram que o desmatamento é o fator que mais interfere na segurança hídrica. Segundo eles, as mudanças do clima foram sentidas com mais intensidade durante as secas, mas as alterações no regime de chuvas não foram protagonistas na redução das vazões.

“A gente está sobrepondo efeitos negativos às mudanças climáticas, por meio da ampliação do desmatamento e sobre uso da água para irrigar plantações em larga escala, estamos jogando contra nós mesmos. Estamos perdendo a chance de mitigar os efeitos do desequilíbrio climático e estamos aumentando a preocupação com a disponibilidade de água”, lamenta Yuri.

Estudos anteriores já mostraram que 20% das exportações brasileiras de soja e pelo menos 17% das de carne bovina estão ligadas à destruição na Amazônia e no Cerrado. No caso da soja, um quinto das 53 mil propriedades que produzem o grão nos dois biomas utilizaram terras desmatadas para cultivo entre 2008 e 2018, assinalou estudo publicado na revista Science.

Berço das águas

O Cerrado abriga 8 das 12 nascentes de bacias hidrográficas mais importantes do Brasil. O bioma é também o segundo maior reservatório subterrâneo do mundo. Ele fornece 70% das águas do rio São Francisco, que abastece o Nordeste brasileiro e 47% do rio Paraná.

A escassez impacta o consumo da população e a matriz energética baseada nas hidrelétricas, instaladas em rios como o Paraná. “O Cerrado em pé é fundamental para a garantia da segurança alimentar, segurança hídrica, segurança energética, segurança climática global e manutenção da sociobiodiversidade”, enfatizou Guilherme Eidt, assessor de políticas do ISPN.

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