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Água: Brasil pode liderar e mostrar caminhos

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A edição dessa segunda-feira (22/03) do jornal "Valor Econômico" traz uma entrevista com o conselheiro-chefe para questões técnicas do Programa para Água das Nações Unidas, o sueco Johan Kuylenstierna. Perguntado sobre o papel do Brasil nas questões hídricas mundiais, Johan afirma que o país, por reunir todas as questões que são debatidas globalmente, deve liderar e mostrar o caminho para o resto do mundo. "Vocês têm irrigação, bioenergia e energia hidrelétrica, por isso têm que liderar, mostrar o caminho", disse ele.

Segue, abaixo, entrevista completa.

Valor: Existem diferentes visões sobre a possibilidade de se alcançar as metas do milênio da ONU para água e saneamento (universalização da distribuição e redução pela metade no número de pessoas sem saneamento até 2015). O Sr. está otimista sobre esses objetivos?



Johan Kuylenstierna: É uma questão para a qual provavelmente você tem de responder sim e não. Embora saneamento e suprimento de água estejam relacionados, tratam-se de duas metas diferentes. A impressão é que nós conseguiremos alcançar nossa meta para a distribuição de água potável. Mas é provável que não alcancemos a meta para saneamento. Algumas pessoas argumentam que a diretriz para saneamento é a mais atrasada de todas as outras metas do milênio (oito no total).

Valor: Esse é um problema apenas de falta de investimento?

Kuylenstierna: Sim, este é o principal problema. Mas existem outros fatores. Saneamento é uma questão mais complicada. Água potável normalmente exige menos capacidade tecnológica. Você fura um poço, expande a rede de distribuição. Mas lidar com os dejetos humanos é mais complicado. Em alguns países é até mesmo uma questão cultural. Não é algo que se discute, não existe muito reconhecimento e, politicamente, não é atrativo.

Valor: Há também certa divergência sobre os valores necessários para se atingir as metas do milênio. A UN Water fala oficialmente em US$ 15 bilhões a US$ 20 bilhões por ano até 2015. O Sr. concorda com essas projeções?

Kuylenstierna: Sim, são esses números que temos em mente para alcançar as metas do milênio para água e saneamento. Mas usar números isoladamente é sempre perigoso. Há algumas indicações de que é preciso ter US$ 50 bilhões adicionais por ano apenas para manter o sistema já existente funcionando. E se você olhar para a maioria das grandes cidades na Europa ou América, a infraestrutura hídrica tem 40 ou 50 anos no mínimo. Isso tem que ser calculado. Por outro lado, investimentos como esses podem ter grandes benefícios econômicos. Acho que é importante sempre falar em investimentos e não custos.

Valor: A recessão econômica vai prejudicar esses investimentos, ou gera uma chance para acelerá-los?

Kuylenstierna: Ainda é cedo para dizer. E também penso que depende do contexto. Alguns dizem que a recessão traz mais investimentos públicos para estimular a economia, enquanto outros dizem que faltarão recursos. Então é preciso olhar que países tiveram um orçamento de estímulo econômico, o que ocorreu na Europa, Estados Unidos e parte da América Latina e Ásia. Mas o quadro é diferente na África, onde os países dependem muito de ajuda financeira externa. É difícil generalizar. Faltam bons estudos para avaliar.

Valor: Qual é o peso neste momento do debate sobre um melhor gerenciamento da água? O foco ainda é maior nos investimentos em nova infraestrutura?

Kuylenstierna: Ainda existe um foco muito grande em investimentos na infraestrutura para distribuição de água potável e saneamento, o que é apenas parte da história. É importante, em uma perspectiva humana, para saúde e diminuição da pobreza. Mas há várias grandes questões que ainda não causam problema mas que deveriam já estar na forma como estamos degradando nossas fontes; há alguns lugares do mundo onde 90% da água descartada não passam por nenhum tratamento. Isso tem um impacto enorme sobre a saúde, mas também implica comprometimento de outros usos produtivos da água. Essas são algumas das questões que precisam ser tratadas, principalmente em países com economia emergente.

Valor: Qual o papel do Brasil nessa competição sobre o uso da água, sendo um país onde se produz alimentos, biocombustíveis e muita hidreletricidade?

Kuylenstierna: Talvez um problema externo como as mudanças climáticas poderá ajudar a trazer atenção política para esta agenda, pois isso deve reduzir a disponibilidade de água. Eu não acho que o jeito de impulsionar este debate seja dizer aos governos e empresas o que elas devem ou não fazer. É importante chamar a atenção para o fato de que, particularmente em países ricos em recursos hídricos, a água não é valorizada, não fica claro qual é o jeito mais produtivo de usá-la. O que é interessante sobre o Brasil é que se têm todas as questões que são debatidas globalmente reunidas em um país. Já existe aí uma discussão sobre a disponibilidade de água para a irrigação e a hidroeletricidade. Então existe uma oportunidade para o Brasil liderar e mostrar o caminho.

Valor: Alguns pesquisadores e instituições estão usando o conceito de pegada hídrica como forma de impulsionar as empresas a melhorarem sua gestão de recursos hídricos. O que o sr. pensa da ideia?

Kuylenstierna: O conceito é bastante efetivo e começa a ser adotado pelo setor privado. Pelo menos é possível criar um retrato do que estamos falando. Torna mais fácil comparar empresas e setores. Existe um potencial para aumentar a eficiência de alguns setores e a legislação pode ser melhorada. Se olharmos para as regulações ambientais da indústria de papel e celulose, muitas das regras aplicadas foram capazes de baixar a quase zero o uso da água no processo produtivo. Acho que existe grande potencial para a economia de água e este conceito certamente ajuda.

* Com informações do jornal "Valor Econômico"<