Entrevistas

Calor recorde: a era do fogo chegou

Calor recorde: a era do fogo chegou

A intensa onda de calor que atinge a Europa, provocando incêndios florestais de alta magnitude e temperaturas acima de 40º C no Reino Unido, Espanha, França e Portugal, é um indício do “novo normal” do mundo, alertam cientistas. Em entrevista, o geólogo e divulgador científico italiano Mario Tozzi, explica que esses eventos não são excepcionais e representam o futuro com as mudanças climáticas.

Ao La Repubblica, Tozzi afirma que o calor será a regra não só no Mediterrâneo. Seja na Europa Central, Sibéria, Austrália e Amazônia, a humidade está realmente enfrentando a era do fogo.

Veja entrevista completa:

La Repubblica – França, Espanha e Portugal sob quarenta graus. Após quinze anos de alarmes climáticos totalmente desconsiderados, podemos encontrar palavras para esse drama que é simplesmente a imagem recorrente em nossos verões?

Tozzi – Estamos olhando para o fenômeno da perspectiva errada: parecem eventos excepcionais para nós porque olhamos para o nosso passado, para os verões temperados, mas não é mais assim. Na verdade, estamos vendo os primeiros eventos que serão o comum da nova era que virá, a era do fogo, da areia e do calor. A mudança climática gera ondas de calor, a seca é aumentada por nossa excessiva retirada das águas. Os bosques e as florestas estão ficando mais secos, o fogo se propaga mais facilmente, por mais tempo e por distâncias maiores.

La Repubblica – A Europa Continental parecia regozijar-se com o ressecamento do seu Sul, mas agora são esperados picos de 44 graus na Inglaterra.

Tozzi – O calor será a regra não só no Mediterrâneo, que de qualquer forma continua sendo particularmente atingido, mas de todo lugar. Na Europa central, na Sibéria, na Amazônia, na Austrália. Estamos realmente diante da era do fogo.

La Repubblica – Sua consideração induz ao pessimismo. Podemos imaginar o fim desta era ou o homem se tornará outra espécie capaz de sobreviver com um novo clima?

Tozzi – As espécies fazem isso: fogem migrando, mudam ou se extinguem. Uma parcela da evolução ocorrerá inevitavelmente, nos adaptaremos às mudanças climáticas e às suas consequências, ao fogo e à elevação dos mares. Já vimos essa adaptação no passado, em tempos longos, é provável que hoje seja mais acelerada.

Em Moçambique há elefantes que depois do conflito civil dos anos 1970-90 evoluíram para uma população sem presas: os que nasceram sem, aliás, foram favorecidos pelo fato de que eles não viravam presas e se reproduziram mais.

La Repubblica – E os homens?

Tozzi – Temos um forte aparato tecnológico que nos faz atrasar nossas adaptações: preferimos adaptar os materiais. Se os materiais entram em crise, por estarem menos disponíveis, por terem acabados ou diminuírem, então caberá também a nós nos adaptarmos. Ninguém hoje pode saber como isso vai acabar.

La Repubblica – A questão da energia fóssil continua sendo central?

Tozzi – É a questão das questões. O papel do homem na mudança climática continua sendo negado, atrasa-se o momento em que serão colocados em posição de não prejudicar os verdadeiros culpados dessa história: os exploradores do carvão e petróleo.

Eles sabiam há décadas que os combustíveis fósseis teriam causado as mudanças climáticas e ainda hoje não reduziram seus investimentos para o futuro. O cenário de um grau e meio de aumento da temperatura já foi ultrapassado: mais 2,7 graus. E os exploradores do carvão e petróleo continuam a ganhar bilhões de dólares de subvenções públicas no mundo.

La Repubblica – A invasão da Ucrânia e a dependência do gás russo tornaram tudo mais complicado.

Tozzi – A guerra deveria ser um motor de renovação, mas nossa transição ecológica se traduziu na passagem do gás para o carvão. Mudamos apenas de traficante. Nosso governo não fez a única coisa que há a fazer: economia energética, eficiência energética e energias renováveis.

Fonte: La Repubblica

Tradução: Luisa Rabolini