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Entrevistas

“O governo tem uma agenda antiambiental”, afirma secretário do Observatório do Clima

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“O governo tem uma agenda antiambiental”, afirma secretário do Observatório do Clima
Crédito: divulgação

“A incompreensão da escala de retrocessos pela qual estamos passando e aonde isso pode nos levar é que trazem essas mensagens muito duras de chefes de Estado e parceiros comerciais do Brasil”. A afirmação é de Carlos Rittl, secretário executivo da ONG Observatório do Clima, em referência às críticas do presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel sobre as políticas ambientais do governo de Jair Bolsonaro.

Segundo Rittl, o governo precisa entender que “meio ambiente também é economia” e que não cumprir o Acordo de Paris pode resultar em prejuízos a parcerias comerciais. Confira a entrevista realizada pela Época.

Época – Qual a percepção da comunidade internacional sobre as políticas ambientais de Bolsonaro?

Carlos Rittl – Desde os discursos de campanha, houve uma impressão muito forte de preocupação entre os chefes de Estados. A ameaça no discurso foi tema de editorais em jornais do mundo inteiro, e isso continua a acontecer. Nos bastidores, nos corredores, a preocupação é enorme. E isso ficou muito claro nesses últimos dias com a manifestação de chefes de Estado, como a chanceler Angela Merkel e o presidente Emanuel Macron. Não é apenas o meio ambiente que está sob risco. Pelas mensagens deles, esperava-se que a partir do momento em que ele assumisse seu mandato, houvesse mais responsabilidade, que ele se desse conta da imensa responsabilidade que ele tem. Não em relação ao mundo, aos temas do Acordo de Paris, mas principalmente em relação aos interesses da sociedade brasileira.

Você de fato tem uma reestruturação da governança socioambiental. No combate ao crime ambiental há uma redução de 70% no número de operações na Amazônia em relação ao mesmo período do ano passado e uma queda de 58% em todo o país. O risco não é só para as florestas ou a biodiversidade, mas também para os direitos de povos indígenas sobre seus territórios e sua segurança.

Época – Isso abala a diplomacia com esses países em algum nível?

C.R – Abala a imagem de nosso país e a reputação de nossas empresas. Merkel e Macron estão preocupados com quão confiável é o Brasil como parceiro comercial. E a reação do próprio presidente quando diz que a Alemanha tem muito a aprender com o Brasil… A Alemanha tem bastante a aprender com o Brasil, e inclusive tem aprendido, porque os dois países são parceiros na área ambiental há décadas. Só que, enquanto nos últimos 30 anos a área de várias florestas alemãs, que é menor do que as brasileiras, vem aumentando, o Brasil perdeu, nesse mesmo período, duas Alemanhas em florestas. E, se o desmatamento aumentar, é um sinal de que a gente está perdendo o controle. E a agenda antiambiental do governo Bolsonaro vai ser destruidora não apenas de florestas e biodiversidade, mas também de participação em negócios para o Brasil.

Época – O general Heleno reforçou a declaração de Bolsonaro, dizendo que esses países têm interesse em explorar nossas florestas…

C.R – Tem de juntar outra declaração do general Heleno, em que ele diz que esses que reclamam do desmatamento devem procurar sua turma. Não foram esses países que procuraram o Brasil para que entrasse na OCDE. O Brasil que apresentou sua candidatura.

É importante levar isso em consideração porque se o Brasil pretende se relacionar com esses países de maneira mais próxima, é preciso entender que questões econômicas são importantes, mas, além disso, agendas como direitos humanos, a questão ambiental e o cuidado com o meio ambiente estarão sempre na mesa.

Como num possível fechamento de um acordo entre os blocos do Mercosul e da União Europeia, em que o acordo comercial estará condicionado ao atendimento de exigências. Meio ambiente é também interesse econômico. A agenda de Paris não é só uma agenda do clima, mas de desenvolvimento. A Alemanha coopera com o Brasil e vem há muito tempo ajudando a fortalecer instituições de pesquisa no Brasil. É uma das doadoras do Fundo Amazônia, visando apoiar o país em suas ações voltadas à conservação. O general Heleno foi chefe de comando militar na Amazônia. Ele conheceu de perto a realidade e falava há dez anos que o Brasil precisava definir suas prioridades de desenvolvimento para a Amazônia, que deveria ser sustentável. Para isso era necessária a presença do Estado. E é necessário ainda, mas o Brasil não detém as possibilidades de seguir um caminho de desenvolvimento sustentável.

A gente não vai conseguir convencer ninguém de que o país cuida bem de seus recursos naturais nesse momento de crise climática pelo qual passa o planeta se o desmatamento subir. O governo pode até eventualmente querer contar para o mundo que tem mais florestas do que outros países, mas não vai colar

Época – Como os representantes de outros países enxergam o desmatamento na Amazônia?

C.R – Entendem como um problema. Lógico que a principal fonte de referência para aumento dos gases de efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis, mas a destruição de florestas também contribui. E o Brasil é um dos países que mais destrói florestas tropicais no mundo. Isso preocupa e muito. Um país que importa commodities do Brasil não quer que chegue nas prateleiras de seus supermercados produtos que estejam associados a essa destruição e à violência contra povos indígenas. Por isso, os países discutem, não só em relação ao Brasil mas também em relação a commodities vindas de outros países, medidas visando a eliminação da relação das suas importações com o desmatamento. Pois as empresas que levam produtos às prateleiras dos supermercados correm o risco de ter sua reputação abalada.

O Brasil poderia seguir outro caminho, valorizando as florestas, utilizando capital natural, seja para fins de biotecnologia, produção de fármacos, cosméticos, insumos para a indústria. E a gente está desperdiçando. Não é de interesse do Brasil e da sociedade brasileira essa destruição acelerada.

Época – O que mais preocupa nessas políticas ambientais?

C.R – É uma agenda antiambiental, uma agenda anticlima, uma permanência no Acordo de Paris sem executar a implementação dos compromissos. A União Europeia quase aumentou suas metas de redução de emissões de 40% para 55% em 2030 em relação a 1990.

Exatamente hoje encerra-se o prazo para a chamada recriação de órgãos colegiados. E não há nenhuma evidência de que vai se tratar da estrutura de governança climática do país. Junto a isso a extinção da secretaria de mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente, que era responsável também pelos planos de combate ao desmatamento, e a extinção do departamento que cuidava de clima no Ministério de Relações Interiores. Ficamos muito longe de um caminho de implementar os compromissos que a gente assumiu junto à comunidade internacional.

Enquanto a gente está passando por uma emergência climática, há países grandes tomando medidas, e a gente corre o risco de ver o Brasil retrocedendo, destruindo suas florestas, acelerando suas emissões em vez de fazer sua parte. Uma coisa que assusta a todos é que o Brasil já demonstrou ter todas as condições de promover desenvolvimento, crescimento econômico e combater o desmatamento ao mesmo tempo. Foi o que aconteceu entre 2004 e 2012, por exemplo. O desmatamento caiu, a economia subiu, o PIB do agronegócio subiu, ou seja, a gente não depende do desmatamento para promover desenvolvimento. Por que a gente faria o contrário? Não é possível colocar na balança tudo que o Brasil tem a perder inclusive em termos de reputação e mercado só por uma visão muito ultrapassada do que significa desenvolvimento.

Época – Ainda não há uma posição oficial sobre a permanência do Brasil no Acordo de Paris. Como os representantes de outros países veem isso?

C.R – O presidente Emanuel Macron e a chanceler Angela Merkel já falaram em diferentes oportunidades que não haverá comércio com o Brasil se o país não tiver seu compromisso com o Acordo de Paris. Isso não significa manter única e exclusivamente a assinatura no acordo, mas também se manter como membro e não implementá-lo. A gente vive um problema global seríssimo que afeta a vida de cada um de nós. E é necessário que a gente discuta como acelerar o passo da ação climática. O retrocesso promovido por grandes países como Estados Unidos e Brasil torna ainda mais difícil a gente atingir os objetivos de longo prazo do acordo. É um compromisso assumido que significa proteção da população, do ecossistema, da economia. É isso que está em jogo.

Época – O que a saída do Brasil representaria?

C.R – Por ora, o Brasil se mantém exclusivamente com receio de perder exportações para o agronegócio. Caso contrário, tenho certeza que o governo já teria tomado uma medida para anunciar a saída. A cada ameaça de saída do Acordo de Paris, os representantes do agronegócio exportador suam frio. Todo mundo está preocupado. Os demais países têm interesse em colaborar. Há claros esforços globais de enfrentamento dos desafios das mudanças climáticas. A incompreensão da escala de retrocessos pela qual estamos passando e aonde isso pode nos levar é que traz essas mensagens muito duras de chefes de Estado e parceiros comerciais do Brasil. A hora que se transformarem em barreiras tarifárias sobre os produtos vai ser muito tarde para entender o recado. Perda de confiança não se reconquista de uma hora para outra.

Época – O que esperar do encontro do G20?

C.R – O presidente Jair Bolsonaro já conversou com o Macron, e espero que tenha entendido o recado e não tenha reagido de forma muito defensiva e agressiva. Que tenha entendido que é do interesse da França colaborar com o Brasil, seja na proteção ambiental, seja no aquecimento global. Isso é uma agenda econômica, de desenvolvimento, num momento em que o país passa por uma crise gravíssima.

Fonte: Época